segunda-feira, 28 de maio de 2007

AS CATACUMBAS DO ESPÍRITO

O manto com que a modernidade nos cobre no que diz respeito à religião, parece ser um manto multifacetado. O terreno entre a convicção religiosa e a sua indefinição vive purgando os ares secos da globalização que também se impôs no campo de Deus. À primeira vista poder-se-ia dizer que se trata de um efeito de ecumenismo, palavra muito cara particularmente à nova geração, em especial, aos conhecedores do encanto de Taizé. Os ares verdes da religiosidade que se respira na comunidade fundada por irmão Roger faz lembrar a narração da vida das primeiras comunidades cristãs.
Os estudos recentes e não só, têm demonstrado que o fenómeno religioso tem vindo a ganhar terreno praticamente em todas as religiões, seitas incluídas. Porém, a grande questão é de saber se este regresso à religião é um regresso desinteressado, ou seja, se é um regresso por convicção ou trata-se simplesmente de um regresso forçado pelas circunstâncias do tempo e da vida. O passado longínquo e recente da história do Ocidente religioso tem confirmado que as mudanças nunca são de ordem iconográfica mas de comportamento, que em maior parte das vezes, são ditadas pelas clivagens sociais e religiosas. Assim, a religião vive sequestrada neste limbo de limites entre o que é de essência religiosa e o que é da consequência da análise que o homem faz dos fenómenos sociais.
O aparecimento de grupos espirituais é testemunha de quanto os fenómenos sociais podem ser portadores e fundadores das novas tendências religiosas. Nos nossos dias estamos confrontados com a força exponencial da New age, um sincretismo religioso muito refinado virado particularmente para a captação das massas informadas que peregrinam na incerteza religiosa. A emancipação religiosa do cristianismo trazida pelo Édito de Milão com o cunho do imperador Constantino, parece ter aberto o caminho muito cedo para a própria perdição do conceito de crença religiosa e da fé. A nossa visão social também nos coloca constantemente em guerra com a nossa crença, a nossa fé. À imagem do maquiavelismo que nos habita, preferimos muitas vezes parecer em vez de ser. Há uma tendência em nós que nos convida sempre a ecoar e a fazer axiologicamente do nosso cristianismo, da nossa “igreja”, do nosso grupo, o melhor em relação ao daqueles sem voz.
No fundo, parece que nos apraz a ideia de estarmos habitados por Deus sem Deus, basta que os outros vêem uma imagem de Deus em nós, pouco importa se corresponde à prática cristã ou não. Parece que nos agrada viver numa lógica de amor cristão sem Cristo, a lógica de amor corrosivo que São João tanto condenou nas suas cartas. Deus continua a fazer-nos a mesma pergunta que fez a Caim: “Que fizeste ao teu irmão”? Cada um de nós continua a responder irremediavelmente como Caim: “Serei eu guarda do meu irmão”?
A vivência da plenitude do amor faz com que a nossa religião deixe de ser a religião do dia seguinte, isto é, uma religião que só existe porque há um sitio para ir à Missa, uma religião confinada ao espaço de culto e à exterioridade do culto, onde todo o mundo se conhece e todo o mundo se desconhece. Como diz são João da Cruz, a religião que canta e louva a Deus é aquela na qual responderemos por amor e pelo amor nas noites das nossas vidas.

Ps: Publicado no Ágape.

terça-feira, 8 de maio de 2007

PORQUE SERÁ


A notícia do regresso de Dr. Fadul à política activa não terá apanhado de surpresa os analistas políticos guineenses. Um país onde os políticos teimam em afinar cada vez mais os seus desregulados espíritos de vingança, ninguém se dá por vencido ou derrotado em quanto a cura da humilhação não fazer desaparecer a cicatriz das queimaduras.
Fadul não é o primeiro e não será o último. Antes dele, também “Nino” o fez, seis anos de silêncio sem silêncio e de política sem política em Portugal. Quem diz “Nino” diz também Kumba Ialá, que ganhou asas para voltar à política sob pretexto de igualdade de oportunidade com a candidatura do “Nino”. Estes antecedentes mostram-nos simplesmente que estamos num país de promessas sem consequências, onde o importante não é cumprir mas prometer.
No entanto, entre Fadul, Kumba e o “Nino”, há uma grande diferença. Se o Kumba e o “Nino” têm conquistado o obscurantismo do eleitorado guineense com carisma de políticos populistas, Fadul ao contrário, conquistou sobretudo o eleitorado esclarecido não só com a eloquência, mas também com promessas populistas que não chegou a cumprir. Isto, numa democracia eleitoralista como é o caso da Guiné, não podia deixar de ser um caminho melhor para a morte política. Acontece que o Dr. Fadul não quer assumir que é um condenado político ao falhanço, algo muito estranho para uma pessoa bastante inteligente como o senhor Francisco José Fadul.
O regresso de Fadul não tem a ver com a questão monetária ou de subsistência como alguns nos querem vender. O regresso do senhor Fadul tem a ver com a honra no espaço público e social e tem a ver também com o espírito guineense do pós independência, a vingança e a intriga, princípios caros ao PAIGC e a todos aqueles que por lá andaram. O regresso de Fadul nunca será igual ao de Kumaba e muito menos poder-se-á comparar com o do “Nino”, não porque seja menos intrigante ou menos rancoroso que os dois primeiros, mas porque tem um campo bastante limitado e sobretudo porque queimou a única carta branca que tinha, isto é, o apoio das massas esclarecidas.
A Guiné eleitoral não tem uma visão ou uma perspectiva de pensamento e de projectos, mas de clã e de pertença étnica e histórica. O senhor Fadul não tem nenhuma destas categorias, basta ver o que lhe aconteceu na sua própria região. Quantos votos tiveram? Quantos deputados conseguiu em Mansoa? Fadul podia ter virado a página do eleitoralismo por pertença étnica ou regional, não o conseguiu fazer e como se isso não bastasse, queimou-se ao apoiar o “Nino”. O regresso de Fadul abre possibilidade para uma nova pergunta da actualidade política guineense: Será que o “Nino” continua a ser o principal problema político guineense ou é apenas a imagem de um grande problema político guineense. Quanta gente trocou os seus familiares defuntos do “Nino” por um lugarzinho no ministério ou nas directorias? Qual é a verdade que o Fadul tem a dizer que ainda não sabemos? Porque será?



Ps: artigo produzido para CM.

Ps: artigo

terça-feira, 1 de maio de 2007

PARA QUANDO A ORDEM POLÍTICA AFRICANA?

O presidente Líbio convidou recentemente a comunidade africana a desenvolver um espírito de ambição e de competitividade à imagem da União Europeia e dos Estados Unidos de América, pois diz ele, a África tem condições para superar todas estas potências em pouco tempo. Resta contudo saber o que se entende por potência e o que se infere por pouco tempo.
Não sei se não estamos perante um surto discursivo, uma tentativa de despertar as consciências e de elevação da identidade continental que pode acabar justamente em criar efeitos contrários. Com efeito, o que é que é mais importante? Falar de uma ordem política que não existe ou pressupor condições indispensáveis para a existência da ordem política?
Hoje, não se pode dizer que o continente não está preparado para as referidas corridas propostas pelo presidente Líbio, mas podemos dizer que não se quer preparar e o próprio coronel Kadafi é o exemplo típico desta recusa, basta para isso, analisar os comentários que fez em relação ao anúncio da vitória das presidências senegalesas do octogenário presidente.
Não é possível falar de uma ordem política africana enquanto não houver meios de sanções eficazes para garantir a legalidade política e democrática no continente e muito menos se pode falar da ordem política se não há uma vontade política para a mudança.
O próprio eleitorado africano parece apostar mais na experiência de quem está no poder do que na promessa de quem lá quer chegar, é o que temos visto nas últimas eleições SENEGALESAS e o cenário parece confirmar-se no MALI com o presidente A. Toumani Touré. Este fenómeno explica-se, pois a maior parte da oposição política partidária vive e depende da fabricação internéutica, um espaço onde sabemos tudo da política e não percebemos nada da política. Um espaço onde abundam os elogios em tempos democráticos, que é muitas vezes o sinónimo da fuga de confrontos de ideias.