quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

REPESCAR A MEMÓRIA

A DESINTEGRAÇÃO DA GUINÉ, REALIDADE OU BOATOS FORÇADOS

Numa lógica laboral onde tudo funciona como deve ser é normal que cada um faça o seu trabalho e, sobretudo, que o faça como deve ser. Assim, nesta óptica de raciocínio, a notícia publicada há dias no NL, que dava conta de que a Guiné-Bissau corre o risco de desintegração, não pode deixar de ser percebida como uma tentativa de fazer bem o trabalho que nos foi confiado.
A Guiné é um boom e não precisa do narcotráfico para se desintegrar e nenhum fenómeno social ou de delinquência económica pode ser mais violento que o próprio ambiente histórico tradicional, político e militar guineense. Isto não é uma profecia, é uma realidade material com a qual convivemos há mais de trinta anos. Não se pode, por isso, falar da desintegração da Guiné por causa da droga, mas, provavelmente, de uma redefinição da desintegração do território guineense à luz dos novos interesses.
Como dissemos em artigos anteriores, curiosamente publicados há mais de dois meses (Os olhos postos na Longitude e a A grande “selva” selvagem” de 28 de Abril e 19 de Julho), o problema do alarme do narcotráfico na Guiné, apesar de ser político-militar, não é, nem de perto nem de longe, um problema guineense, é, antes de tudo, um problema Ocidental, é um problema europeu e americano.
O rendimento e a economia guineense não permitem que o guineense lide com o fenómeno da droga, a não ser que todos decidam ser funcionários da droga; ora isso é impossível, uma vez que a própria estrutura hierárquica do narcotráfico não quer qualquer guineense para o correio de tráfico, mas sim o guineense. É por isso que é inconcebível e insustentável prever que o país se desintegre simplesmente por narcotráfico; o Brasil e a própria Colômbia apesar da guerra civil deste último, são exemplos de Estados com muito narcotraficantes e que nem por isso são desintegrados. Será que vamos dizer que policias, militares brasileiros ou colombianos entram de mãos abanar em favelas, e isso é desintegração?
Também é abordada a questão de que a instabilidade na Guiné pode mexer com os Estados vizinhos, o que também não deixa de ser questionável, por uma simples razão, de que a Guiné-Bissau nunca foi um Estado estável. Aqui, a correlação não é linear. Cada país tem os seus próprios problemas e que, de modo particular, naquela região é explicável a partir do não entrosamento étnico e regional no relacionamento da vida política e militar. É o caso do Senegal com a questão de casamancesa, é o caso da Serra Leoa com a dicotomia Norte-Sul que se repete também na Costa do Marfim, na Libéria é o ajuste de contas entre a originalidade das elites sociais e políticas, o trauma da americanização africana falhada.
Na Guiné-Bissau não há desintegração e não vai haver desintegração a não ser que os militares guineenses o queiram, mas eles não a querem, porque eles já são ricos e sabemos que quanto mais rico o homem for mais medo ele tem da morte violenta. Alguém se lembra onde o Nino foi encontrado na guerra de 7 de Junho, alguém se lembra de onde Sadam Hussain foi encontrado? É o reflexo do rico que tem tudo a perder e, neste momento, os pobres militares que se enriqueceram à custa da corrupção não estarão dispostos a voltar ao ponto zero do alto pedantismo.
Da mesma maneira é irrealista associar a fragilidade guineense ao terrorismo, até porque esta eventualidade não é um posicionamento recente, uma vez que a imposição do Nino pela comunidade internacional tem justamente a ver com isso. Nino está na presidência porque a comunidade internacional estava convencido de que um homem forte actuaria com mão forte sobre um Estado falhado e consequentemente, impediria os focos do terrorismo internacional. Se ONU declarar o território guineense como sendo o lugar de lavagem de dinheiro para o terrorismo internacional, fá-lo-á por conveniência da má informação e não pela constatação da realidade. Os estudos divulgados na imprensa têm mostrado que há cada vez mais drogas a circular em Portugal e que há também muita gente a cultivar drogas nas suas propriedades. Será que a ONU vai declarar Portugal como um Estado de lavagem de dinheiro para os terroristas? E se falássemos de coisas sérias com objectivos sérios e deixarmos as guerras de ajustes de conta para o campo privado?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A UTOPIA OU A PROFECIA DA DESGRAÇA


As últimas semanas trouxeram à ribalta muitos textos sobre a Guiné, entre eles, um longo texto (passa pleonasmo) sobre a Al-Qaeda na Guiné. O texto traz muitas coisas, particularmente, aquilo que designamos na gíria guineense por “nobas”, mas não nos traz nenhuma informação jornalística credível. A imagem com que ficamos na lonjura do texto é de que nadamos numa exposição do jornalismo por encomenda. Isso não quer dizer que quem está fora do país não pode escrever ou não pode opinar sobre o mesmo. Não, não é isso. O que se quer dizer é que tendo em conta a inquestionável impossibilidade da neutralidade, o rigor da informação se apresenta como a única garantia da sua fiabilidade. Isso quer ainda dizer, que não se pode fazer colagem forçada de alguns acontecimentos casuísticos à situação actual em que o país se encontra.
Não é porque o país se decidiu drogar com o narcotráfico que a Al-Qaeda se lembrou de ir pedir esconderijo à desordem guineense. Al-Qaeda é o terror dos tempos modernos que está onde quer estar, embora nem sempre consiga estar quando quer estar. E, a Al-Qaeda já demonstrou que é uma organização multifacetada com inúmeras possibilidades de assimilar e de se adaptar segundo as circunstâncias. Julgo que não é demais lembrar que os EUA, a Inglaterra ou Espanha não são países que se possa etiquetar de desorganizados mas, mesmo assim, neles a Al-Qaeda fez o que todo o mundo sabe. E julgo ainda que é do conhecimento da opinião pública informada o que se está a passar neste momento na Europa em relação ao terrorismo. Em Barcelona foram presos 15 indivíduos suspeitos de ligação à Al-Qaeda e sabe-se que a polícia portuguesa está atrás de dois cidadãos paquistaneses, também eles, suspeitos de envolvimento com a rede radical islâmica, e mais, no mês de Dezembro foi preso no Porto um indivíduo de nacionalidade marroquina por suspeita de pertencer à Al-Qaeda. No fundo, independentemente da instabilidade guineense, a verdade é que os factos da Al-Qaeda falam por si e é, também por isso, que não se deve apoiar em qualquer tipo de argumento florescente para fazer valer uma verdade inexistente. Por tudo isso, penso que a comunidade internacional, refiro-me àquela comunidade internacional muito bem informada da história da violência política e social guineense, e não àquela que o desejo da vingança e os ajustes de conta nos faz criar, nunca estará preocupada de forma alarmista com a possível organização do movimento radical islâmico na Guiné por uma simples razão: É que se é verdade que a história política guineense é compatível com a violência, também, não é menos verdade que esta mesma história se revela incompatível com a violência sectária. Ora, como todos sabem, a Al-Qaeda é cunhada por uma ideologia religiosa sectária. Não é a pobreza ou a desordem que dita o acolhimento dos movimentos ideológicos, sejam eles políticos ou religiosos, mas sim “o espírito do tempo”. E não se trata aqui de um “espírito do tempo” puramente hegeliano, mas da realidade concreta do que é a Guiné hoje; e a Guiné hoje é tudo menos uma partilha de poder sem lucro para os bolsos dos dirigentes e dos militares e é de conhecimento de todos que a Al-Qaeda não traz lucro.
Aproveito aqui para lembrar também que alguns tinham profetizado a desintegração da Guiné, a intervenção militar da ONU e até uma possível invasão norte-americana no país coisa que sempre contestei. Tudo isso não aconteceu pois não? A grande resposta que vimos é que a comunidade internacional, aquela comunidade internacional consciente da necessidade da estabilidade da Guiné sem a coerção de terceiros, doou dinheiro para o bolso dos governantes sob pretexto de que quer participar na luta contra a droga no país. Isto quer, simplesmente, dizer que a política não é o que os cibernautas ou os cidadãos comuns querem, mas sim, aquilo que é neste momento presente, ou seja, aquele sic et nunc, o aqui e agora que Maquiavel impingiu a toda a realidade cujo nome é política.
O que deve preocupar aos guineenses não é a possível presença da Al-Qaeda no país, mas como fazer com que ela não esteja presente no país. A Guiné não responde a esta pergunta porque não reúne condições para responder, assim como um grande número de países, inclusive ocidentais, não reúne condições para responder à dita pergunta. O que não quer dizer que na Guiné ou nos outros países não se deve ter a preocupação com o movimento radical islâmico. Simplesmente não se deve chamar Al-Qaeda onde ela não está nem faz intenção de estar.
Para finalizar, quero voltar à questão de forjar a verdade através de argumentações simplistas e de provas inexistentes. Os “tipos” que foram presos na Guiné não foram lá porque o país é instável ou porque se vende droga, mas por um hábito da transitoriedade criada na Guiné. Quantos estrangeiros daquela sub-região entram para a Europa e para os Estados Unidos com os documentos guineenses sem serem terroristas?
Vamos discutir o país? Sim, mas com a verdade e objectividade. Ah, e outra coisa: eu só respondo a alguns.
Chamar-me-ão ninista? Sim, com muita pena minha, mas neste artigo concreto prefiro sê-lo. Pois como diz Aristóteles, sou muito amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade.