sexta-feira, 27 de julho de 2007

A GUINÉ PARA ALÉM DO GENERAL


O general “Nino” Vieira é a imagem perfeita do homem inserido na relação entre a condição humana, a vida pública e as actividades políticas ou partidárias. Na vida, há sempre um passado que nos marca, assim como há sempre um presente a partir do qual desenhamos o nosso futuro. Isto é válido não só para o general como para qualquer humano que se preze a viver através de uma linha de pensamento.
Idealizar o futuro a partir de uma linha de pensamento implica antes de tudo, estar habitado pela noção de consciência e ter medo da tragédia seja ela pequena ou grande. A consciência e a tragédia são dois pontos fundamentais no diálogo do homem para consigo mesmo. Não há homem, no verdadeiro sentido da palavra, quando no seu dia-a-dia não constrói um espaço de solidão para si mesmo, isto é, um espaço de diálogo com sigo mesmo, um espaço de contemplação. Hoje à primeira vista, os termos meditação ou contemplação parecem soar simplesmente uma melodia que vem do dicionário religioso, o que na realidade não deixa de ser verdade apesar da nítida parcialidade desta verdade. Contudo, a nós interessa-nos neste momento, analisar o pensamento do cidadão guineense activo e empenhado na estabilidade do país.
Continuo a pensar que a nível político, o regresso do “Nino” foi a melhor coisa que podia ter acontecido ao ambiente da política partidária guineense e até mesmo a nível da sociedade civil. Refiro-me ao regresso do “Nino” enquanto cidadão guineense, o que não tem nada a ver com a sua ascensão forçada ao poder. O regresso do general fez ver como os guineenses estão indiferentes à política e aos males que a política e os políticos lhes têm causado ao longo dos anos do pós-independência. A recepção calorosa que o general teve logo que chegou ao país não tem só a ver com a eficácia do seu staff de candidatura e de campanha e muito menos com a obstinação da cumplicidade do outro general, o senhor Tagme. As recepções e os apoios que têm vindo a ser demonstrados em relação ao general “Nino” são consequências do alheamento sucessivo do cidadão guineense do espaço público, aliás, neste aspecto ele não fez mais que acompanhar a tendência do homem moderno; as recepções e os apoios estão também ligados à demonstração do divórcio assumido pelo homem e cidadão guineense em relação ao conceito do Bem Público.
Por tudo isso, julgo que já é altura de começarmos a pensar a Guiné para além do “Nino”, isto é, não continuarmos exclusivamente a associar a imagem do desastre guineense à pessoa do general “Nino” Vieira; há mais Guiné para além do “Nino” e do ninismo. A passividade do éthos guineense é um testemunho claro em favor do ditador. O facto de o general conseguir passear nas ruas de Bissau sem ser apupado pelos populares não quer dizer que estes não o fazem por medo de represálias mas sim e sobretudo, não o fazem porque estão-se nas tintas para com o problema político e social que não lhes diz respeito directamente e o “Nino” não é culpado quando isso acontece, mas a própria sociedade civil. Sou um crítico acérrimo do presidente general, mas não posso concordar que o país seja reduzido à imagem do seu presidente. Há mais Guiné bonita, realista e hipócrita para além daquela do “Nino” Vieira. A Guiné da sociedade civil é pior que a de “Nino” Vieira, pois é ela que nos tem dado os piores políticos, militares e governantes, “Nino” Vieira inclusive. É ela que recebeu pacificamente o general sem lhe pedir as contas do passado e é ela que corroborou com a sua ascensão ao poder sem lhe exigir os planos para o futuro do país.
Dito isto, só resta alertar aqueles que não querem de facto legitimar a ilegitimidade do general, de que, ainda que seja a brincar, não podem e não devem de modo nenhum lançar pressupostos – que não têm cabimento em nenhuma ordem política mundial e em nenhuma diplomacia seja ela realista ou idealista – de que o “Nino” pode incorrer neste momento num mandato de captura internacional. Quando passar um ano sem isso acontecer não será a comunidade internacional que sairá enfraquecida, mas é o próprio “Nino” que sairá fortalecido e, por conseguinte, as reflexões dos seus detractores serão desprestigiadas. É preciso por isso fazer a diferença entre o paradigma da reflexão puramente política e o paradigma das opiniões puramente pessoais. A conjuntura política actual é realista e não idealista.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

A GRANDE “SELVA” SELVAGEM


Há razões mais do que suficientes para perguntar porque é que a Guiné-Bissau se tornou tão importante para o Ocidente nestes últimos tempos, sobretudo para aquele Ocidente que fala o Inglês. Na realidade, no templo do tempo que nos habita, não há memória de que a Guiné-Bissau tenha sido alvo de menção pela imprensa internacional tantas vezes em tão pouco tempo como tem estado a acontecer ultimamente. Algo mudou e mudou drasticamente. Esta mudança não tem a ver com o retrocesso ou a melhoria de vida dos guineenses. A própria palavra “mudança” não faz muito sentido aqui, uma vez que infere sempre à positividade de acção. O que aconteceu é que pela primeira vez na sua história, o país da “grande selva selvagem” tem a possibilidade de ferir directamente o coração do desafogado mundo Ocidental.
Até aqui, as turbulências político-militares guineenses têm sido vistas como actividades normais entre gentes que vivem ainda numa era que oscila entre a denominação de sub humanos e quase humanos. Neste momento o paradigma mudou, o narcotráfico vai trazer um outro tipo de relacionamento entre a Guiné-Bissau e a comunidade internacional, resta saber se a comunidade internacional não vem demasiado tarde para definir este mesmo paradigma.
O interesse da comunidade internacional pela Guiné faz lembrar a reacção de um politólogo francês à acusação europeia de que os israelitas reagem desmedidamente às agressões palestinianas: “voltaremos a falar quando o terrorismo se abater verdadeiramente na Europa”, dizia ele. Pois bem, depois de Madrid e de Londres, nunca mais os europeus viram o terrorismo com o mesmo olhar de antes.
Os pretensos interesses da comunidade internacional em salvar a Guiné-Bissau do naufrágio narcótico não passam de mera prevenção de interesses próprios. Todos sabemos que a continuar o desmando a que país se mergulhou, não serão certamente os guineenses a sofrerem mais, mas sim, os estrangeiros com o poder de compra, por uma simples razão: estando os governantes e militares guineenses metidos no narcotráfico até ao pescoço, não punirão com exemplaridade os seus respectivos vendedores nacionais caso sejam detidos, uma vez que são os veículos seguros para o desafogo das economias dos governantes e militares.
Mais do que no campo guineense, a bola do narcotráfico está do lado da comunidade internacional. Hoje a alerta está lançada em inglês porque o mercado dos EUA continua a ser um dos grandes destinatários que a droga proveniente da Guiné-Bissau procura satisfazer. O veredicto do tempo político é particularmente crucial quando as coisas se dão pela negativa. O guineense normal vai vivendo a sua vida de costume longe dos reboliços dos narcotráficos fabricados pela comunidade internacional através da viciada vitória presidencial de 2005.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

A ÁFRICA E O FURACÃO SARKOZY


Tout sauf Sarkozy, este é um dos slogans e cartazes que chegaram a ser ouvidos e vistos na França eleitoral. Muitos daqueles que deram voz a estes slogans e cartazes eram africanos ou franceses de origem africana. A França dos pequeninos, como diziam alguns vendedores das ideologias da esquerda, queria ver todos no Eliseu menos Sarkozy. Todos, mesmo que não tivessem projectos ou não fossem políticos carismáticos.
No fundo, o Ocidente político sabia que a Esquerda andava mal. O que ainda não se sabia até às eleições francesas, era de facto que a Esquerda estava mesmo muito mal. As eleições francesas trouxeram à ribalta duas novidades: o fenómeno Ségolène Royal e o furacão Sarkozy. O mal-estar da Esquerda francesa muito cedo ensopou a fluidez analítica e verbal de Ségolène abrindo ainda mais o caminho para a vitória galopante de Sarkozy que a suposta França dos pequeninos queria evitar.
Com efeito, Sarkozy tinha estado na origem de algumas polémicas com as comunidades de origem africana e não só. Fez parte do núcleo que defendia os benefícios da colonização, isto é, que no fundo a colonização não deixava de ser, de uma certa forma, um bem concedido aos colonizados, uma vez que o projecto colonial tinha como objectivo levar a civilização aos selvagens. Os adversários, incluindo o Presidente Chirac, não hesitaram em preparar-lhe a cama, mas falharam. Sarkozy foi também origem de polémica ao usar a expressão ces bandes de racailles quando se dirigiu aos adolescentes incendiários na periferia parisiense, sem contar que expulsou centenas de imigrantes senegaleses e malianos ilegais contra tudo e todos.
Sarkozy estava portanto à partida condenado à não elegibilidade no que dependesse da França dos pequeninos, quer em relação aos franceses de origem africana quer em relação aos franceses de origem árabe, uma vez que estes o acusavam de ser um instrumento dos sionistas. Mas ainda bem que foi eleito, ainda bem, porque chama os políticos africanos à razão; apresenta-lhes os factos com os nomes concretos, coisa que até agora nenhum presidente francês tinha feito. Avisou em plena campanha eleitoral que não esperaria por ninguém para actuar em Darfur (o nosso silêncio perante 200.000 mortos em Darfur não é aceitável), pois com ele os crimes de Ruanda não se repetiriam e está a fazê-lo através dos corredores criados a partir de Chade e do Níger. O posicionamento no Conselho de Segurança da ONU mudou em ralação ao Darfur com a chegada de Nicolas Sarkozy. A China, um dos parceiros fundamentais do regime de Cartum está a distanciar-se do seu posicionamento inicial. Nicolas Sarkozy foi claro em matérias do direito do homem e de liberdade de expressão, isto é, a política externa da França tinha que ter em conta estes dois vectores.
Chirac deixou um legado pobre em termos de política francesa em África. Preferiu construir amizade com os chefes de Estados africanos, assinar acordos paralelos e não oficiais em lugar de exigir que ponham em bom uso os montantes que recebem pedinchadamente do Ocidente. Sarkozy denunciou este tipo de comportamento aquando da sua visita à Republica do Benin. Sarkozy sabe que este tipo de comportamento tem efeitos nefastos para a França e exemplo disso é que a França foi corrida na Costa do Marfim através das manifestações violentas contra os franceses. Ouviu-se nas ruas de Abijan, “nous voulons les americains”. Uma cólera bem entendida e bem interpretado por Sarkozy, as antigas colónias já não vêem com bons olhos a eterna presença francesa no campo militar em África. Os países onde a França tem base militar exigem uma redefinição nos acordos e Sarkozy apoia as exigências ao afirmar que a França tem que rever a sua política de defesa em África.
A ruptura de que Sarkozy fala e que os africanos tanto temem, não tem só a ver com a questão da imigração, mas sobretudo com a questão da governação e da gestão da própria governação. Sarkozy sabe que a nível da geopolítica e geoestratégica, a França é o país mais bem posicionado em África, isto graças à visão preventiva dos tempos que o general de Gaulle teve em relação ao continente. O que Sarkozy não quer, assim como qualquer potência não o quereria, é que os custos da vigia geopolítica e geoestratégica sejam mais elevados que os seus benefícios.
O furacão Sarkozy ainda não começou em África mas já está a deixar saudades dos tempos do presidente Jacques Chirac entre aqueles que entraram na política para enriquecer custo zero.
Ps: Publicado na "Positiva do mês de Junho"