segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

KADAFI E O ARABISMO


O ultimato lançado, há dias, na véspera de mais um “encontro-festa” dos líderes africanos pelo coronel Kadafi, faz lembrar a querela dos finais dos anos 50 e início de 60, de um lado a teoria da africanidade e de outro, a teoria de arabidade. Num desabafo à imprensa, o coronel disse que se os líderes africanos, isto é, da África negra, não fizerem esforços para se entenderem, ele iria, simplesmente, virar-lhes as costas. Mas, para onde é que iria? Para a associação mediterrânica ou para o mundo árabe. A questão é: será que o coronel faz falta a nível da geopolítica e geoestratégica a estes dois espaços? Julgo que não. O coronel Kadafi, apesar de vestir a capa dos recém-convertidos à não-violência, continua a ser uma pólvora política ambulante e ninguém neste mundo de tensão quer estar ao lado das bombas ambulantes. Sarkozy que o diga.
Se o coronel decidir levar avante a sua ameaça, fabricará o seu auto isolamento e voltará a experimentar a sua longa caminhada do deserto. Na África negra pode gritar porque tem mais dinheiro e porque tem mais tecnologia e, sobretudo, porque sempre olhou para os seus colegas com um ar de superioridade. Aliás, razão pela qual, como diz um analista, a sua arrogância era a única que conseguia unir os presidentes: Sekou Touré, Senghor e Félix Houphouet-Boigny. Assim, é de esperar que o coronel não saia nem venha um dia a decidir sair. Nas zonas mediterrânicas não poderá levantar a voz, pois poucos dependem dele e no espaço árabe acontecerá o mesmo até porque aí, ele nunca foi ouvido, nunca foi tratado como um rei e nunca recebeu o protagonismo que desejou.
Poder-se-ia perguntar, também, se o coronel quer ressuscitar o arabismo dos anos cinquenta e sessenta no continente. É pouco provável, até porque esta corrente morreu pela sua própria contradição. Árabes entre os africanos e africanos entre os árabes, motivos suficientes para a porem a andar, quer de um lado quer do outro.
No entanto, o alerta do coronel não deixa de ser significativo. Contrariamente à ideia que deu aquando da cimeira Europa-África, com as acusações virulentas contra as potências coloniais, o desabafo do coronel pode ser lido como um reconhecimento da própria incapacidade da UA em gerir o seu destino. Sartre já tinha avisado no prefácio à obra de Senghor: “um dia vocês não poderão mais reclamar contra os outros, se o fizerem estarão a assinar o fracasso das vossas independências.” Os estudantes e especialistas da Negritude devem estar, neste momento, a rever as argumentações de Sartre no desespero de Kadafi.