quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ATENAS E JERUSALÉM

1-. Segundo Strauss, a cultura do mundo ocidental, o nosso mundo, está estritamente ligada à duas cidades: Jerusalém e Atenas. O homem ocidental é o que é positiva e negativamente, graças às influências da tradição de estas duas cidades. Por isso, desde este ponto de vista, o homem ocidental para se compreender e iluminar o caminho que ainda tem que percorrer, é antes de mais imperativo, que ele compreenda Jerusalém e Atenas. Dito de esta maneira, a exortação de Strauss parece ser de um estilo de muito fanatismo, no entanto, a verdade é outra.
Normalmente quando se pretende falar de Jerusalém e Atenas, o que se quer fazer, é falar da cultura enquanto elemento material do conceito científico. Diz Strauss, desde esta perspectiva, a cultura no âmbito científico não tem uma hierarquia, não tem, “melhor que”. Ela é uma variedade, uma multiplicidade de imparcialidade. É também por isso que em muitos casos os objetos estudados pelo cientista cultural, não sabem que são ou foram culturas, mas o cientista ele sim o sabe, porque ele compreende melhor a cultura que está a estudar de que os autores que protagonizaram o surgimento de esta mesma cultura.
Strauss remarca que esta posição nem sempre foi consensual, Nietzsche é sem duvida o rosto mais visível dos seus contestatórios. Nietzsche não aceita que quem entra para descobrir a outra cultura possa saber mais sobre a dita cultura de que os elementos originários de esta mesma cultura.
Mas no que se refere à Jerusalém e Atenas, no que se refere ao homem hebreu e grego, à primeira vista, parece que estamos perante uma diferença dicotômico insuperável. Na opinião de Strauss, a particularidade do homem hebreu resido na sua dedicação religiosa ao culto do Deus Único e na honra dos pais[1] (o 1º e o 4º mandamento: Adorar sobre todas as coisas e Honrar o pai e a mãe). A esta dedicação também se junta a sua recusa total de ligações incestuosas dentro da família. O individuo se apresenta neste caso,como o resultado da comunidade com uma autonomia limitada.
No caso grego, a pedra de toque, está na total dedicação concedida ao individuo para que atinja à excelência (aretê), o brilho, a distinção e o favorecimento da procura da teoria do melhor (Cfr. Platão: Critón, Protágoras, Gorgias, Alcebíades e Fedón...)[2].
Para Strauss, Nietzsche é sem dúvidas o autor que melhor compreendeu aos hebreus mas mesmo assim ele não se submeteu nem a estes nem aos gregos, porque segundo ele, havia uma incompatibilidade na reclamação da primazia cultural de ambas as identidades e em termos de ordens e proibições. Aquilo que para Nietzsche esteve na base da recusa de aceitar a primazia de uma cultura sobre a outra, tem o século XIX como o exemplo típico através da tonalidade catapultadora, sua tendência imperialista.
No fundo o que Strauss quer mostrar-nos é que a tendência da imposição da pretendida superioridade cultural, afastou a Nietzsche num primeiro memento de pensar numa possível conciliação entre as estas duas culturas. O que portanto Strauss tem em mente através da critica que Nietzsche faz da posição de estas duas culturas, é que nada que não tenha compreendido bem a sua própria cultura poderá compreender a cultura do outro. Não poderá compreender a cultura daquele que está na outra margem, a margem que vai para além da minha visibilidade física e intelectual.
Por isso, diz Strauss, o verdadeiro observador da cultura, tem que ser aquele que tem raízes na sua própria cultura. Aquele que conhece verdadeiramente a sua cultura pode compreender a cultura do outro, e de este mesmo efeito, poderá não só estar aberto para o advento da cultura universal como também saber que há uma cultura universal[3].
Como é obvio, a universalidade da cultura levanta não só o problema da tentativa da conquista do espaço cultural para impor a sua verdade, como também levanta o problema da unicidade da verdade. Strauss pensa que através da sua idéia de “super homem”, Nietzsche conseguiu não só superar como também criar uma ponte de diálogo entre as duas culturas, unir as duas culturas. Para Strauss, o super-homem de Nietzsche tinha como objectivo, unir Jerusalém e Atenas num nível mais alto. Isto é, Nietzsche oferece uma abertura para a unidade de todas as culturas através de um pluralismo tolerante, que teria como a última conseqüência, um monismo tolerante. Só desde esta perspectiva se poderá esperar compreensão e tolerância na abordagem cultural. A cultura do outro tem que ser compreendida e abordada como este outro a compreende sem que isto implique a recusa de mi mesmo e da minha cultura.
2-. No que diz respeito à diferença entre a sabiduria hebraica e grega, logo à partida, parece que estamos outra vez perante uma inconciliabilidade e uma incompatibilidade. A fonte da origem da sabiduria é totalmente diferente; divino-humana[4]. Para os judeus, o despertar da sabiduria está no temor de Deus, enquanto que, para os filósofos gregos, o começo da sabiduria está na admiração, no assombro. Assim, diz Strauss, as duas posições nos colocam em posição de escolha, em posição de ou estás comigo ou estás contra mim. Optar por uma e estar contra a outra, ou estamos dispostos a optar pelas duas buscando um termo médio entre ambas.
O problema diz Strauss, é que, nós não somos sábios logo à primeira. Estamos a procura da sabiduria, estamos a caminho da sabiduria e a sabiduria exige que sejamos atentos, exige que saibas escutar. Ora este gesto que primeiro nos obriga a escutar e só depois a agir, nos coloca em uma posição antagônica a Jerusalém e também é uma posição que nos introduz num principio histórico - critico da Bíblia. Porque implica pôr em diálogo dois factos da hermenêutica bíblica: os actos de Deus e os actos dos homens, diz Strauss.
Os actos de Deus diz Strauss, incluem e implicam a aceitação da sua legislação e ao mesmo tempo que obrigam a reconhecer e aceitar os ensinamentos dos seus profetas. Aqui é preciso parar e fazer uma pequena observação. Na história do povo hebreu, sempre existiu um conflito muito grande entre o profeta e a cidade – Jerusalém. Jesus Cristo enquanto a pedra rejeitada pelos construtores antes de tornar-se numa pedra angular[5], será o ponto culminante de este desentendimento entre a cidade e o profeta. O próprio Jesus Cristo no seu conflito com a cidade termina por fazer um discurso de apostasia sobre a cidade.

“Jerusalém, Jerusalém, (tu) que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como galinha recolhe os seus pintainhos debaixo das suas asas, e não o quiseste! Eis que a vossa casa vos ficará abandonada pois eu vos digo: não me vereis, desde agora , até o dia em que direis:
Bendito aquele que vem em nome do Senhor[6]”.

Este sentimento manifestado por Jesus Cristo, parecia ser o sentimento de desgosto e de sofrimento comum que unia os profetas na sua marcha para a cidade e na sua relação com a cidade, já que está presente em Jeremias, em Ezequiel, em João, [….]. Mas de momento interessa-nos saber como Strauss situa os actos dos homens, a actuação humana perante Deus ou em relação à Deus.
3-. Diz, Strauss, os actos dos homens incluem louvores e orações à Deus, assim como as admonições inspiradas por Ele[7]. O argumento de Strauss, isto é, a explicação histórico-crítico bíblico é puramente espinoziano. No livro, “Tratado teológico-político”, Spinoza faz uma caracterização do discurso profético, a mensagem profética, a parresía profética. Ao que depois conclui de que os profetas em vez de falarem de Deus, falam das suas próprias realidades. Um profeta de origem camponesa utiliza as expressões do campo para falar de Deus, um profeta de origem militar utiliza as expressões militares para falar de Deus, assim sucessivamente. Por isso, diz Spinoza, o que eles nos transmitem, não é necessariamente a mensagem de Deus, mas as suas próprias imaginações, as suas próprias realidades.
A crítica de Spinoza ao termo imaginação, sublinha Strauss, ganhará outra compreensão, outra conotação, já depois do pronunciamento de Spinoza. A interpretação do significado do termo imaginação será determinado no choque da persuasão da capacidade lingüística dos séculos XIX e XX. Ao longo de estes dois séculos, a imaginação deixou de ser uma actividade sub racional para passar a ser uma categoria conotada ao veículos da actividade religiosa, da experiência religiosa ou espiritual, podendo ser expressa por símbolos[8].
Esta compreensão do termo imaginação pelos contemporâneos vem de certa forma, dar razão a Nietzsche. Com efeito, Nietzsche dizia que os agentes culturais têm obrigação de interpretar a cultura de acordo ou conforme ela era entendida pelos seus primeiros destinatários, e parece que Spinoza não o fez assim, de modo que, os contemporâneos tiveram que repor a ordem na interpretação desde o ponto de vista nietzschiano digamo-lo assim.
Podemos dizer com Strauss, que Spinoza peca por recusar a historicidade dos factos bíblicos e sobretudo por querer reduzi-los em mitos. O erro de Spinoza consistirá sobretudo num pequeno descuido: o mito. As palavras dos profetas como mito. Na linguagem hebraica, o termo mythos[9] não faz sentido, porque ele é de origem grega[10] e o seu significado grego é estranho a um judeu. Para o judeu por tanto, o mito é igual a uma história. Ela é tão verdadeira quanto o é uma história verdadeira. Por isso diz Strauss, ainda que aceitássemos que a Bíblia contem mitos, temos imediatamente também que admitir que, estes são estranhos a ela.
Desde este ponto de vista frisa Strauss, tudo aquilo que foi vivido por Israel, só pode ser compreendido a luz dos “actos” da Criação e da predestinação (214). Por isso, mesmo, o que hoje chamamos histórias ou irrealidades são no fundo coisas que o povo de Israel viveu como um acesso directo através da sua fé e sua confiança.
A fé e a crença representam por tanto desde o ponto de vista bíblico um desencontro com a tradição grega da filosofia. Para a Bíblia aquele que não acredita é um tonto, um ímpio, e por isso mesmo, desprovido de sabiduria divina. Mas, para o grego, o filosofo grego, aquele que não acredita cria o pensamento, promove a actividade do logos, porque questiona o que já existe e por isso mesmo, suscita a acção de pensar. O filosofo grego, o filosofo pós-socrático, não seria capaz de fazer nem o processo agostiniano de “crês e compreenderás”, nem o processo de Tertuliano de “creio porque é absurdo”. Para ele isto seria um acto de obediência e não da essência do pensamento, e como diz Arendt, a obediência não é da política e nem é da actividade do pensamento. A obediência é da actividade do religioso e neste caso concreto, podemos dizer que é da actividade de Israel.
4-. Quando São Paulo apresenta o seu discurso de novidade teológica no Areópago, os atenienses não o acolheram de braços abertos. Ao dizer-lhes, hoje venho falar-vos de um novo Deus, um Deus que na linguagem agostiniana é novo mas sempre antigo. Quando Paulo diz, venho falar-lhes de um Deus que se fez homem e que depois de morto, ressuscitou. A resposta não se fez esperar. Nós voltaremos para te escutar a próxima vez, hoje não. Ou seja, a resposta era, com isso, tu podes ir-te a passear[11]. Do ponto de vista do deísmo e mesmo da “teologia” grega, a resposta à recusa da proposta de São Paulo faz sentido. Porque para o grego, um deus em condições normais nunca pode fazer-se homem, nunca pode tornar-se homem, mas o homem pode atingir por “mérito” e pela ajuda dos deuses, a condição de um homem-deus (Cfr. República VI). Por isso não faz nenhum sentido que um deus que não tenha sido castigado (o Deus de São Paulo), tome a condição humana para vir habitar entre os homens alegando uma hipotética salvação dos mesmos.
O mesmo também se pode dizer em relação ao encontro entre Deus e Moisés. Quando se deu o encontro de Moisés pela primeira vez com Deus no monte Horeb e Este lhe pede para ir falar ao povo, e justamente, quando Moisés quer saber como apresentaria a Deus ao povo e Deus lhe disse, diz “Aquele que É me enviou”. Na lógica do grego, sobretudo do grego pós-socrático, isto não aconteceria. A recusa de Sócrates em acreditar passivamente no oráculo de Delfo é talvez o exemplo paradigmático de como isso não seria possível para o grego.
Lembrar que a resposta e a inquietude de Sócrates é uma resposta filosófica, uma resposta movida por admiração. “como posso ser eu o mais sábio entre os homens?” Também podemos encontrar esta inquietude no campo bíblico ou hebraico mas desprovida da resposta grega. Isto é, investigar. Na Bíblia encontramos a Abraão que pergunta como posso ter uma descendência numerosa se nem sequer tenho filhos, no entanto acreditou na palavra de Deus. Encontramos a Maria que diz, como posso eu ser a mãe do salvador se nem sequer conheço homem. Mas em seguida diz: “faça-se em mim segundo a tua palavra”. Abraão, “Ergue os olhos para o céu e conta as estrelas, se as podes contar.”, e acrescentou:”Assim será a tua posteridade.” (Abraão creu em Iahweh, e lhe foi tido em conta de justiça [12]”). Moisés, “quem sou eu para ir a Faraó e fazer sair do Egito os filhos de Israel[13]?”). A diferença porém entre estas posições, grega e hebraica está no questionamento do divino ou da vontade do divino. Israel não põe em causa a palavra do divino, salvo raras excepções, ele actua obedientemente e não faz como diz o grego, “vamos ver se o deus tem razão” (Apologia de Sócrates, castigo de Prometeu…). Israel obedece porque a sabiduria está na obediência, está na escuta. O primeiro livro de Samuel é claro quanto a isso: “Se te voltar a chamar diz”: “fala Senhor que o teu servo escuta[14]”. O teu servo escuta, o teu servo obedece, o teu servo não te desafia, poderíamos dizer.
5-. Desde o ponto de vista bíblico, a visão da sabiduria hebraica é uma visão dictatorial, uma ditadura que vem de exterior, uma dictadura profética. A sabiduria genuína diz o que é. Vive e interpreta as coisas a partir do seu tempo presente. A sabiduria profetícia “diz o que será”, isto é, diz o que vai acontecer. Esta previsão futurista retira ao homem o direito e a sua margem de liberdade de profetizar ou não profetizar. O profeta Jonas será por isso mesmo o nosso exemplo. Ao recusar ir pregar ou profetizar na cidade de Nínive, e ao tentar fugir de Deus, foi engolido por uma baleia e só se libertou justamente da perseguição de Deus quando decidiu obedecer-lhe, quando aceitou ir pregar em Nínive[15]. Jonas é portanto, o exemplo da falta de liberdade de Deus para com os seus profetas, os seus empregados. Se quisermos levar tudo isso numa análise extremada, podemos dizer que a obediência não implica portanto a liberdade de compreender o acto cujo qual se obedece. Só é permitido dizer. “faça-se em mim segundo a sua vontade”. Esta resposta «faça-se em mim segundo a sua vontade», seria um oposto do pensamento do grego pós-socrático e mesmo do grego pré-socrático, uma vez que segundo as leis de Sólon, qualquer acusado tinha direito de defender a sua acusação diante do tribunal. Na “Apologia” Sócrates diz eu não me importo que a vontade dos deuses seja cumprida/seja feita, porém, não antes de eu me ter defendido abertamente dos meus acusadores. Isto é, “a tua vontade se fará, mas depois de me ouvires a mim”. Trata-se aqui de um apelo fundamental de um direito que o grego tem e que o judeu não tem. O direito a liberdade de palavra e a liberdade de pensamento. O direito a justiça aqui na terra. Os gregos aprenderam desde muito cedo a opor a retórica com o exercício autoritário do poder e acresce ainda em favor da retórica, o reconhecimento do valor cognoscitivo da língua e da educação. Para o grego, a palavra de deus não vai a missa. Já o vimos entre Sócrates e o oráculo de Delfos e estamos vendo agora também entre Sócrates e o tribunal. O apelo à liberdade individual, o direito a esta liberdade e à palavra-diálogo, acentua a consciência individual, algo que não acontece no plano hebraico.
No ponto de vista do humano, ela difere da sabedoria grega, já que esta não só se interroga como também recusa a unipolaridade, recusa a dissolução do individuo no meio de uma sabedoria igualitária. Na sua obra “Vida, doutrina e sentencias dos filósofos ilustres”, Diógenes Laércio conta como Heráclito rompeu o seu silêncio de “monge de deserto” para insurgir contra os efésios por estes terem exilado a Hermodorio. Em causa estava, diz Heráclito, que os efésios não suportavam que ninguém fosse mais sábio de entre eles, queriam uma sabedoria igualitária.
6-. A grande diferença será creio eu, que Israel tem desde o seu fundamento enquanto povo, uma vocação para escutar, um apelo para ouvir, uma obrigação não só para escutar como também para pôr em pratica[16]. O segundo discurso de Moisés no Deuteronômio, o decálogo, é categórico neste aspecto. Julgo que a nenhum outro povo lhe foi concedido desde a sua gênesis, a “graça que foi concedida a Israel.
“Ouve, ó Israel, os mandamentos e as normas que hoje proclamo aos vossos ouvidos. Vós os aprendereis e cuidareis de pô-lo em pratica[17]”.
Até a chegada do cristianismo, Israel não só cumpriu com este apelo, este mandamento, pese embora as descontinuidade, como também utilizou este apelo, este compromisso de Deus para com o povo, para exigir a Deus que cumpra com a sua parte, a sua promessa. Em Isaias e Amos encontramos Deus a justificar a sua fidelidade em tom maternal:
“Ainda que uma mãe abanana o seu filho eu nunca te abandonarei”,
mas também encontramos em muitas passagens bíblicas, a Israel que pede a Deus, que exige a Deus que lhe escute e que lhe salve.
“Pastor de Israel, dá ouvidos,
tu que guias a José como um rebanho;
tu que sentas sobre os querubins, resplandece
perante Efraim, Benjamim e Manassés
desperta a tua valentia
e vem socorrer-nos” (Sl. 79, 2-3).
Israel vive e se alimenta das histórias, suas histórias que se tornaram memórias, até mesmo quando caem no esquecimento. Israel é um poeta e como disse o professor Tudela[18] comentado a Martin Buber e Celan, “todo poeta bebe eternamente, disse, de duas fontes, a fonte do esquecimento e a fonte da memória, Leteo e Mnemósyne. O grego e o judeu, o judeu e o cristão, o judeu e o alemão, o mar e a pedra, a ampola do esquecimento e a memória das raízes.[19]
7-. E no que diz respeito a “memória das raizes”, parece que contrariamente ao grego[20], Israel vai buscá-las na sede que tem de Deus. Pelo menos é o que dizem muitas passagens entre elas, estas dos Salmos 62 e 83:
“Deus tu es o meu Deus, eu te procuro.
Minha alma tem sede de ti,
minha carne te deseja com ardor,
como a terra seca, esgotada, sem água.
Sim, eu te contemplava no santuário,
vendo teu poder e tua glória” (62, 2-3).
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“Quão amáveis são as tuas moradas,
Iahweh dos Exécitos!
Minha alma suspira por e desfalece
pelos átrios de Iahweh;
meu coração e minha carne
exultam pelo Deus vivo.
Até o pássaro encontrou uma casa
e a andorinha um ninho para si,
onde põe seus filhotes:
os teus altares, Iahweh dos Exércitos,
meu Rei e meu Deus!
Felizes os que habitam em tua casa,
eles te louvam sem cessar.
Felizes os homens cuja força está em ti,
e que guardam as peregrinações no coração (Sl. 83, 2-6).
Quando Nietzsche e Strauss reclamam o respeito da história do vivido ou narrado, eles reclamam simplesmente o respeito pela memória das raízes, condição importante para compreender e dialogar com a outra cultura. “A crise do ocidente, consiste num ocidente que ignora qual é o seu propósito”[21], as suas oringens.


[1] Cfr. Dt 5,16;
[2] É bom lembrar que no caso grego, esta teoria da procura do melhor se desenvolveu mais já na época socrática quando a Epimeleia e Aretê fizeram caminho lado a lado. Antes do problema homérico colocado por Platão através de Sócrates, a tradição grega através dos poetas, políticos e rapsódias concebiam as obras de Homero como um livro sagrado, tanto que, quando Platão colocou a questão homérica, não havia possibilidade de dialogar, ou de estabelecer um diálogo construtivo entre a poesia e a dialética. A prova de falta de espaço para um diálogo de respeitabilidade entre as duas áreas está no trato que Platão acorda aos poetas e rapsódias nos diálogos, Íon, Hipias Maior e Hipias menor, o Fedro, a Republica X que terminará com a expulsão dos poetas da cidade. No entanto, é bom sinalar que em Fedro, o trato que os poetas receberam já era muito menos humilhante que nos diálogos anterior, o que não reduz em nada para Platão, a certeza da existência de uma homerosofia, naturalmente contra o agrado de Platão. Lembrar que Platão dedicou diálogos a muitos personagens famosos do seu tempo mas não dedicou nada a Homero porque este já se tinha tornado erradamente na opinião de Platão, numa religião cultural do mundo grego . Religião essa, que todos tinham que aprender desde criança cimentando assim o prolongamento da ignorância, segundo Platão. E esta será justamente a razão porque a dialética socrática não quer ver continuar o domínio de esta cultura do saber não saber na qual as pessoas estavam manifestamente contente de se instalar, já que o conhecimento dos versos homéricos não só se tornaram no saber profano mas também religioso. Nesta caso, as criticas que Strauss faz ao judaísmo podem ser vistas nesta linha da crítica de Sócrates a homerosofia.
[3] Desde esta perspectiva abordada por Nietzsche e justificada por Strauss, se pode compreender as razões que estão na base quer do falhanço da multiculturalidade inglesa e holandesa, quer do falhanço da política da identidade o caso francês, assim como a política inconseqüente da integração, o caso espanhol. O pano de fundo é que poucos sabem verdadeiramente a grandeza e pequinês de sua cultura, razão suficiente para que o actuar cultural dos outros seja sempre visto ou visto muitas vezes como uma expressão da barbárie e de indiginato.
[4] Relembrar que apesar de tudo, também na Grecia havia uma certa concepção que ligava a origem da sabiduria ao divino. O oráculo de delfos que diz na Apologia que Sócrates era o mais sábio entre todos os homens e Sócrates ele mesmo se apresenta como uma oferenda enquanto sabiduria esclarecedora e verdadeira recebida de deus para a salvação da cidade de Atenas. Em Eutifrón a invocação da origem divina da sabiduria aparece na inquietude de Eutifrón em saber o que é ou não a impiedade. Em Protágoras aparece na necessidade de que todos aprendam a política para o bem da justiça na cidade. Em Fedón aparece na recomendação de Sócrates a Critón de pagar a divida à Euscolapio por este enquanto deus, os ter curado da enfermidade da ignorância. Em Fedro aparece na reconciliação de Sócrates com os poetas.
Cfr. [5] Sl 118 22-23;
Cfr. Ac 2 33+;
Cfr. Is 28 16;
Cfr. I P 2 4-8;
Cfr. Mt 21 42-43;
[6] Cfr. Mt 23 37-39;
[7] Strauss, Leo. Estudios de filosofía política platónica. Tr. Amelia Aguado. Amorrortu Editores 1ª edición. Buenos Aires-Madrid 2008. Pg. 213.
[8] Strauss, Leo. Estudios de filosofía política platónica. op., cit. Pg 213.

[9] Lembrar aqui que antes de Tucidides, o termo mythos também tinha uma conotação verdadeira, de verdade. Foi Tucidides quem ivertiu o significado do mythos, ao defeni-la coma as pequenas histórias que as mães contam as crianças antes de irem para cama. (Cfr. Luc Brisson et Francesco Fronterotta, Lire Platon, Quadrige/Puf. France 2006).
[10] Strauss, Leo. Estudios de filosofía política platónica. op., cit. Pg 214.

[11] Cfr. Act 17 22-33;
[12] Cfr. Gn 15 5-6;
[13] Cfr. Ex 3 11-12;
[14] Cfr. Sm 3 9;
[15] Cfr. Jon 1,2;
[16] Cfr. Op., cit., Dt 5 1-22;
[17] Cfr. Ibid., 5,1.
Em todo o caso, é bom sublinhar que isto que é apresentado na perspectiva hebraica no livro de Deuteronômio como a fonte de Decálogo, para o grego, esta perspectiva pode não passa de um simples lugar de teatro. Nas “As nuvens” de Aristófanes encontramos o que poderia corresponder ao primeiro dos decálogos na boca de Sócrates: «Doravante e seguindo o meu exemplo tu não reconhecerás mais deuses além do Caos, das Nuvens e da Língua: só três e nem mais um»! Poderemos portanto dizer que o judeu trouxe para o campo de seriedade, da reflexão, de meditação e de religiosidade aquilo que para o grego estava destinado para o uso do teâtro crítico, para o uso da contestação dos regimes e dos valores errados ou imorais veiculados na sociedade.
[18] «Todo poeta bebe eternamente, dijo, de dos fuentes, la fuente del Olvido y la fuente de la Memoria, Leteo y Mnemósyne. Lo griego y lo judío, lo judío y lo cristiano, lo judío y lo alemán, el mar y la piedra, la amapola del olvido y la memoria de las raíces…»
[19] Esta citação é do texto também publicado neste número, é da conferência organizada pela UNED (universidade nacional de ensino a distância) sobre a expulsão dos poetas na cidade (na polis de Platão, cfr. A República, particularmente o livro 10. O título da intervenção do professor Tudela nesta conferência é “Dí que Jerusalén no existe”. O texto foi-me enviado gentilmente por ele depois da solicitação do mesmo pela minha parte. No seu jeito de homem afável e sobretudo de intelectual aguçado disse-me quando lhe pedi o texto no corredor da faculdade um mês antes da dita conferência: “sabes, eu habitualmente não escrevo as minhas conferências, mas em tua honra, vou escrever esta”. Jorge Pérez de Tudela é para além de professor, também director do departamento de Filosofia da Universidade Autónoma de Madrid e autor de inúmeros escritos.
[20] Uma pequena nota para dizer que apesar de tudo, também na Grecia antiga há uma ligação entre a sabeduria e a divindade. Por exemplo, se pode encontrar no 2º Alcebíades, as palavras que mais tarde serão atribuidas ao rei Salomão, quando este a única coisa que pede a Deus é a sabedoria para governar o seu povo. Pois bem, o conselho que Sócrates dá a Alcebíades já como alguém que caminha para a função do político orador, é rezar e fazer uma boa petição ao deus. Pedir o que é bom, e o que é que é bom? A sabedoria para poder governar bem. E mais, aqui tabém encontramos que Sócrates precede a Jesus Cristo e a São Paulo no conselho que dá ao político Alcebíades. Pede o que é bom. Às vezes, os vossos pedidos não são satisfeitos porque pedis mal, pedis egoisticamente, por isso o deus não responde.
[21] Strauss, Leo. The city and Man. Chicago:. Chicago University press, 1978. Pg 3.

2 comentários:

Anónimo disse...

Apenas para lamentar a ausência ou senão mesmo a "indeferença" em relação aos problemas da nossa Guné daquele que nos abituou a excelentes reflexõs. I. Valentim ainda tem muito a dar a Guiné e aos Guineenses.Abordemos os nossos problemas.

Anónimo disse...

Meu caro, quem vê vai para onde quer. as pessoas conscientes decidem o que querem fazer; as outras fazem o que outros mandam.