O general “Nino” Vieira é a imagem perfeita do homem inserido na relação entre a condição humana, a vida pública e as actividades políticas ou partidárias. Na vida, há sempre um passado que nos marca, assim como há sempre um presente a partir do qual desenhamos o nosso futuro. Isto é válido não só para o general como para qualquer humano que se preze a viver através de uma linha de pensamento.
Idealizar o futuro a partir de uma linha de pensamento implica antes de tudo, estar habitado pela noção de consciência e ter medo da tragédia seja ela pequena ou grande. A consciência e a tragédia são dois pontos fundamentais no diálogo do homem para consigo mesmo. Não há homem, no verdadeiro sentido da palavra, quando no seu dia-a-dia não constrói um espaço de solidão para si mesmo, isto é, um espaço de diálogo com sigo mesmo, um espaço de contemplação. Hoje à primeira vista, os termos meditação ou contemplação parecem soar simplesmente uma melodia que vem do dicionário religioso, o que na realidade não deixa de ser verdade apesar da nítida parcialidade desta verdade. Contudo, a nós interessa-nos neste momento, analisar o pensamento do cidadão guineense activo e empenhado na estabilidade do país.
Continuo a pensar que a nível político, o regresso do “Nino” foi a melhor coisa que podia ter acontecido ao ambiente da política partidária guineense e até mesmo a nível da sociedade civil. Refiro-me ao regresso do “Nino” enquanto cidadão guineense, o que não tem nada a ver com a sua ascensão forçada ao poder. O regresso do general fez ver como os guineenses estão indiferentes à política e aos males que a política e os políticos lhes têm causado ao longo dos anos do pós-independência. A recepção calorosa que o general teve logo que chegou ao país não tem só a ver com a eficácia do seu staff de candidatura e de campanha e muito menos com a obstinação da cumplicidade do outro general, o senhor Tagme. As recepções e os apoios que têm vindo a ser demonstrados em relação ao general “Nino” são consequências do alheamento sucessivo do cidadão guineense do espaço público, aliás, neste aspecto ele não fez mais que acompanhar a tendência do homem moderno; as recepções e os apoios estão também ligados à demonstração do divórcio assumido pelo homem e cidadão guineense em relação ao conceito do Bem Público.
Por tudo isso, julgo que já é altura de começarmos a pensar a Guiné para além do “Nino”, isto é, não continuarmos exclusivamente a associar a imagem do desastre guineense à pessoa do general “Nino” Vieira; há mais Guiné para além do “Nino” e do ninismo. A passividade do éthos guineense é um testemunho claro em favor do ditador. O facto de o general conseguir passear nas ruas de Bissau sem ser apupado pelos populares não quer dizer que estes não o fazem por medo de represálias mas sim e sobretudo, não o fazem porque estão-se nas tintas para com o problema político e social que não lhes diz respeito directamente e o “Nino” não é culpado quando isso acontece, mas a própria sociedade civil. Sou um crítico acérrimo do presidente general, mas não posso concordar que o país seja reduzido à imagem do seu presidente. Há mais Guiné bonita, realista e hipócrita para além daquela do “Nino” Vieira. A Guiné da sociedade civil é pior que a de “Nino” Vieira, pois é ela que nos tem dado os piores políticos, militares e governantes, “Nino” Vieira inclusive. É ela que recebeu pacificamente o general sem lhe pedir as contas do passado e é ela que corroborou com a sua ascensão ao poder sem lhe exigir os planos para o futuro do país.
Dito isto, só resta alertar aqueles que não querem de facto legitimar a ilegitimidade do general, de que, ainda que seja a brincar, não podem e não devem de modo nenhum lançar pressupostos – que não têm cabimento em nenhuma ordem política mundial e em nenhuma diplomacia seja ela realista ou idealista – de que o “Nino” pode incorrer neste momento num mandato de captura internacional. Quando passar um ano sem isso acontecer não será a comunidade internacional que sairá enfraquecida, mas é o próprio “Nino” que sairá fortalecido e, por conseguinte, as reflexões dos seus detractores serão desprestigiadas. É preciso por isso fazer a diferença entre o paradigma da reflexão puramente política e o paradigma das opiniões puramente pessoais. A conjuntura política actual é realista e não idealista.