sexta-feira, 21 de setembro de 2007

OS SAPATOS DE PEDRA


Estamos definitivamente a entrar numa fase daquilo que parece ser o inevitável, o confronto dos Egos no cruzamento das necessidades. Para uns é uma questão de auto referência, para outros, é simplesmente o acordar do longo sono da criação. Se é verdade que é conhecida na tradição política o apego que os anglo-saxões têm pelos direitos humanos, particularmente os ingleses, também não é menos verdade que a história do pensamento político Ocidental nunca deu dois sem três e isto vê-se neste cultivo excessivo da auto referência.
Numa fase em que nos meios diplomáticos ninguém se importaria de rever a proximidade do tempo da Cimeira entre a União Africana e a União Europeia, o primeiro-ministro inglês parece endurecer o tom em relação à presença do presidente Robert Mugabe em Lisboa. “Ele ou eu” disse o primeiro-ministro inglês, e a justificação para esta sua posição é o desrespeito pelos direitos humanos e a falta da democracia no país de Mugabe. Nada mau se tudo isso fosse inteiramente verdade, nada mau se o princípio da auto referência não conduzisse à cegueira de ajuste de contas.
Assim como sabemos do apego da tradição inglesa sobre os direitos sociais ou humanos também sabemos que esta mesma tradição nunca abre a mão em relação ao princípio da propriedade privada, e é bom sobretudo não se esquecer que este mau estar actual tem origem na desapropriação das terras dos fazendeiros “brancos” por parte do regime de Mugabe. Na altura discutiu-se muito se é ou não justo desapropriar os fazendeiros “brancos”, mas como o tempo é pragmático, hoje perante a miséria e a imundice da mortandade esta questão já não se põe; porém não deixa de ser relevante. Quem são os verdadeiros donos da terra, os que a faziam produzir ou os que com ela fazem morrer milhares de almas esfomeadas?
É na tentativa de resposta a esta pergunta que os dois Egos se cruzam. O Ego de auto referência tipicamente europeu e aquele que se está acordar do seu sono da criação tipicamente africano. Não se trata aqui de uma questão de ganhar uma batalha diplomática, mas da questão da consciência, isto é, ter em conta que o meu interlocutor já não é o que era. No fundo, é saber descalçar uns sapatos de pedra em pés de vidros.

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