sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A DESINTEGRAÇÃO DA GUINÉ, REALIDADE OU BOATOS FORÇADOS


Numa lógica laboral onde tudo funciona como deve ser é normal que cada um faça o seu trabalho e, sobretudo, que o faça como deve ser. Assim, nesta óptica de raciocínio, a notícia publicada há dias no NL, que dava conta de que a Guiné-Bissau corre o risco de desintegração, não pode deixar de ser percebida como uma tentativa de fazer bem o trabalho que nos foi confiado.
A Guiné é um boom e não precisa do narcotráfico para se desintegrar e nenhum fenómeno social ou de delinquência económica pode ser mais violento que o próprio ambiente histórico tradicional, político e militar guineense. Isto não é uma profecia, é uma realidade material com a qual convivemos há mais de trinta anos. Não se pode, por isso, falar da desintegração da Guiné por causa da droga, mas, provavelmente, de uma redefinição da desintegração do território guineense à luz dos novos interesses.
Como dissemos em artigos anteriores, curiosamente publicados há mais de dois meses (Os olhos postos na Longitude e a A grande “selva” selvagem” de 28 de Abril e 19 de Julho), o problema do alarme do narcotráfico na Guiné, apesar de ser político-militar, não é, nem de perto nem de longe, um problema guineense, é, antes de tudo, um problema Ocidental, é um problema europeu e americano. O rendimento e a economia guineense não permitem que o guineense lide com o fenómeno da droga, a não ser que todos decidam ser funcionários da droga; ora isso é impossível, uma vez que a própria estrutura hierárquica do narcotráfico não quer qualquer guineense para o correio de tráfico, mas sim o guineense. É por isso que é inconcebível e insustentável prever que o país se desintegre simplesmente por narcotráfico; o Brasil e a própria Colômbia apesar da guerra civil deste último, são exemplos de Estados com muito narcotraficantes e que nem por isso são desintegrados. Será que vamos dizer que policias, militares brasileiros ou colombianos entram de mãos abanar em favelas, e isso é desintegração?
Também é abordada a questão de que a instabilidade na Guiné pode mexer com os Estados vizinhos, o que também não deixa de ser questionável, por uma simples razão, de que a Guiné-Bissau nunca foi um Estado estável. Aqui, a correlação não é linear. Cada país tem os seus próprios problemas e que, de modo particular, naquela região é explicável a partir do não entrosamento étnico e regional no relacionamento da vida política e militar. É o caso do Senegal com a questão de casamancesa, é o caso da Serra Leoa com a dicotomia Norte-Sul que se repete também na Costa do Marfim, na Libéria é o ajuste de contas entre a originalidade das elites sociais e políticas, o trauma da americanização africana falhada.
Na Guiné-Bissau não há desintegração e não vai haver desintegração a não ser que os militares guineenses o queiram, mas eles não a querem, porque eles já são ricos e sabemos que quanto mais rico o homem for mais medo ele tem da morte violenta. Alguém se lembra onde o Nino foi encontrado na guerra de 7 de Junho, alguém se lembra de onde Sadam Hussain foi encontrado? É o reflexo do rico que tem tudo a perder e, neste momento, os pobres militares que se enriqueceram à custa da corrupção não estarão dispostos a voltar ao ponto zero do alto pedantismo.
Da mesma maneira é irrealista associar a fragilidade guineense ao terrorismo, até porque esta eventualidade não é um posicionamento recente, uma vez que a imposição do Nino pela comunidade internacional tem justamente a ver com isso. Nino está na presidência porque a comunidade internacional estava convencido de que um homem forte actuaria com mão forte sobre um Estado falhado e consequentemente, impediria os focos do terrorismo internacional. Se ONU declarar o território guineense como sendo o lugar de lavagem de dinheiro para o terrorismo internacional, fá-lo-á por conveniência da má informação e não pela constatação da realidade. Os estudos divulgados na imprensa têm mostrado que há cada vez mais drogas a circular em Portugal e que há também muita gente a cultivar drogas nas suas propriedades. Será que a ONU vai declarar Portugal como um Estado de lavagem de dinheiro para os terroristas? E se falássemos de coisas sérias com objectivos sérios e deixarmos as guerras de ajustes de conta para o campo privado?

sábado, 22 de setembro de 2007

OS SOBREVIVENTES


A retórica do efeito biombo muitas vezes utilizada pelo Dr. Fadul já não é uma novidade para a comunicação social. Contudo, o que não deixa de ser novidade no meio de tudo isso, é a própria pessoa do Dr. Fadul enquanto figura política partidária. Tendo em conta a conjuntura política guineense, há muito que Fadul já devia ser uma carta fora do baralho, mas o homem resiste e vai resistindo. Em boa verdade, a resistência do Dr. Fadul é uma boa coisa para a democracia eleitoral guineense, simboliza mais um partido e mais um político a vociferar nas ruas poeirentas de Bissau enquanto a vida política real se desfaz na imensidão da corrupção activa.
Se na verdade é louvável a actuação do Dr. Fadul em relação ao ministro da Administração Interna da Guiné, nem por isso deixa de ser questionável quanto a sua coerência e a sua objectividade a curto e a longo prazo. Será que o motivo do Dr. Fadul se resume simplesmente naquilo que vimos e lemos na comunicação social ou é porque está haver um renascimento da política na Guiné? Pelo que se sabe através do ambiente político que é vivido no país, não há nenhum renascimento na política guineense e sabe-se também que os argumentos apresentados pelo Fadul não são nem de perto nem de longe ingénua politicamente. Porque será então?
Fadul é um sobrevivente dos vários movimentos políticos guineenses, já passou por vários partidos e já fundou dois deles e em todos sempre viveu não como líder mas como um resistente da sobrevivência. Ora o espaço da sobrevivência na política é geralmente reservado para os partidos espectáculos, aquele que só podem sobreviver graças ao carisma do seu líder. Na Guiné, o Dr. Kumba é o protótipo deste espaço, espectáculo em vez da política. O aproximar da eleições exige que os lideres marquem pontos e pessoas como Fadul só podem fazê-lo dando espectáculo, ainda que contraditoriamente.
O governo do Dr. Fadul foi um dos que mais arruinou a Guiné com a orgia económica e política dos militares chefiado pelo seu amigo Ansumane Mané. Fadul esteve ao lado do Nino Vieira no Governo do Dr. Aristides Gomes onde pessoas como Nado Mandinga conseguiram em pouco tempo recuperar as empresas falidas há mil anos e Fadul ainda não explicou quanto recebeu para lesar o Estado guineense para apelar o seu insignificante voto no presidente Nino. Então em que ficamos, qual é a verdade do Dr. Fadul? Pode até ganhar acção contra o Dr. Baciro Dabo e seria bom que a ganhasse, mas nunca passará de um sobrevivente da mortífera política guineense.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

OS SAPATOS DE PEDRA


Estamos definitivamente a entrar numa fase daquilo que parece ser o inevitável, o confronto dos Egos no cruzamento das necessidades. Para uns é uma questão de auto referência, para outros, é simplesmente o acordar do longo sono da criação. Se é verdade que é conhecida na tradição política o apego que os anglo-saxões têm pelos direitos humanos, particularmente os ingleses, também não é menos verdade que a história do pensamento político Ocidental nunca deu dois sem três e isto vê-se neste cultivo excessivo da auto referência.
Numa fase em que nos meios diplomáticos ninguém se importaria de rever a proximidade do tempo da Cimeira entre a União Africana e a União Europeia, o primeiro-ministro inglês parece endurecer o tom em relação à presença do presidente Robert Mugabe em Lisboa. “Ele ou eu” disse o primeiro-ministro inglês, e a justificação para esta sua posição é o desrespeito pelos direitos humanos e a falta da democracia no país de Mugabe. Nada mau se tudo isso fosse inteiramente verdade, nada mau se o princípio da auto referência não conduzisse à cegueira de ajuste de contas.
Assim como sabemos do apego da tradição inglesa sobre os direitos sociais ou humanos também sabemos que esta mesma tradição nunca abre a mão em relação ao princípio da propriedade privada, e é bom sobretudo não se esquecer que este mau estar actual tem origem na desapropriação das terras dos fazendeiros “brancos” por parte do regime de Mugabe. Na altura discutiu-se muito se é ou não justo desapropriar os fazendeiros “brancos”, mas como o tempo é pragmático, hoje perante a miséria e a imundice da mortandade esta questão já não se põe; porém não deixa de ser relevante. Quem são os verdadeiros donos da terra, os que a faziam produzir ou os que com ela fazem morrer milhares de almas esfomeadas?
É na tentativa de resposta a esta pergunta que os dois Egos se cruzam. O Ego de auto referência tipicamente europeu e aquele que se está acordar do seu sono da criação tipicamente africano. Não se trata aqui de uma questão de ganhar uma batalha diplomática, mas da questão da consciência, isto é, ter em conta que o meu interlocutor já não é o que era. No fundo, é saber descalçar uns sapatos de pedra em pés de vidros.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O CONCERTO DOS POBRES




Dizia Arthur Choupenhauer, ainda que tudo desaparecesse a música subsistiria. Nada podia ser mais verdadeiro que esta afirmação, basta olharmos entre outras coisas para o actual momento da conjuntura política na Guiné-Bissau. Os campos murcharam, o verde de esperança é substituído pelo deserto do humano sofredor. As almas que outrora cantavam e faziam cantar estão, literalmente, a sucumbir pelo sufoco do fumo de um país drogado, mas, mesmo assim, é audível, ainda que de longe, uma melodia fúnebre de gente que luta, desesperadamente, contra o tempo fabricado pelo absurdo do sofrimento.
Este país que está de luto há mais de trinta anos, sempre conseguiu formatar o registo melodioso do seu tempo fúnebre, através de um padrão que ele mesmo construiu na noite da sua resignação e da venda do seu ethos. Na longitude da noite em que se mergulhou para nunca mais sair, pelo menos aquilo que dá a entender, a curto prazo, ofereceu aos guineenses um padrão de conduta rítmico que consiste em nunca falarem mas desentenderem, constantemente, e quanto mais, melhor; melhor pelo menos para o ambiente que se quer eternamente mortífero.
No meio desta orquestra fúnebre há um triunvirato que está a pôr em causa a arquitectura construída minuciosamente para a destruição. Trata-se do senhor primeiro-ministro, Martinho Ndafa Cabi, o ministro do Interior, o senhor Baciro Dabo e o eterno general presidente, o ditador João Bernardo Vieira Nino. No cerne da destruição da música fúnebre está o enigma da nomeação do senhor Baciro Dabo. Esta figura mítica do Governo, uma espécie de padre de Salém cuja origem ninguém conhece. Na verdade, é abusivo dizer que ninguém conhece a sua origem uma vez que a comissão que negociou a presença do PRS de Kumba Ialá sabe muito bem a origem e a finalidade do senhor Baciro Dabo no Governo. A confusão consiste no facto de, até agora, o antigo braço direito do Dr. Kumba Ialá, o senhor I. Sori Djalo não ter aparecido ao público para dizer quanto dinheiro recebeu de “Nino” Vieira em troca de aceitação do nome de Baciro Dabo no Governo. Enquanto não o faz o concerto dos pobres continua, a música também, mesmo depois do desaparecimento de toda credibilidade do Governo.