sábado, 28 de abril de 2007

AMNISTIAR OU LEGALIZAR A IMPUNIDADE

A recente acção de formação junto dos deputados guineenses, promovida pelo gabinete da ONU em Bissau, levanta uma série de questões políticas e estratégicas. Quem é o mentor da ideia da amnistia guineense? E porquê só agora querer levar para frente a ideia de aprovação da lei de amnistia? Que vantagem teria a aprovação da dita lei para a Guiné?
Naturalmente, quanto mais se quer pensar neste assunto mais se corre o risco de se assustar com perguntas, mas talvez seja melhor estar assustado com interpelações do que contribuir para colocar na tábua rasa a culpa de quem está em dívida para com a justiça nacional e internacional.
Não se trata aqui de querer vingar os mortos humilhando aqueles que outrora os humilharam, mas trata-se de fazer vincar a ideia de justiça numa sociedade que se quer instalar, definitivamente, no uso da lei do mais forte. É sabido que a sociedade política e militar guineense tem uma certa alergia para com as instituições legais do país, tudo isso, é graças, e sobretudo, à fraqueza do poder judicial.
Neste aspecto, amnistiar seria enfraquecer ainda mais o conceito da lei no espírito do homem guineense, quer seja ele culto ou inculto. É bom não se esquecer que tudo o que os políticos e militares guineenses do pós independência nos habituaram, é lidar com a violência como a única alternativa possível de que o país dispõe para legitimar qualquer acto político ou militar. Ora, esta oferta tem nome e tem rosto e é justamente aí que o caso da amnistia guineense se diverge com o caso sul-africano.
Se no caso sul-africano se podia falar de uma teoria de engrenagem implantada há muito tempo no sistema de apartheid ou ainda de acções ligadas ao acto do Estado, no caso guineense não se pode. Nenhuma destas teorias tem asas para justificar o voo da pretensa amnésia colectiva em nome de amnistia. As principais figuras do desastre guineense ainda estão vivos, dai ser fácil desmontar a teoria de engrenagem, assim como desmascarar actos bárbaros em nome do bem do Estado. Nos julgamentos ocorridos no período de transição depois da guerra de 7 de Junho, vários arguidos utilizaram a teoria de engrenagem para justificar as suas respectivas participações nas carnificinas, o actual ministro da Administração Interna, foi umas das pessoas a invocar a teoria da obediência aos superiores.
O universo político e militar guineense é bastante propício para as acções violentas, basta para isso ver a quantidade de desfiles violentos protagonizados por estas duas classes nos últimos meses: o espancamento do senhor Silvestre Alves, líder do MDG, a morte, ainda por explicar, do comodoro Lamine Sanhá, o refúgio disparatado na sede da ONU em Bissau do senhor Carlos Gomes Júnior líder do maior partido guineense (PAIGC) … Assim sendo, a dita amnistia viria, simplesmente, reforçar a ideia da inexistência da lei que protege os fracos e os opositores.
A lei da amnistia beneficiaria muito mais os três antigos presidentes e, particularmente, o presidente Nino. Esta lei beneficiaria também os oficiais militares afectos aos antigos presidentes e ao actual. A presença dos três no tribunal permitiria que nenhum dos seus colaboradores pudesse invocar a teoria de engrenagem para se auto-inocentar, uma vez que há muita diferença entre a cooperação e a obediência. Julgo que por amor à justiça não se deveria sequer discutir a hipótese de uma amnistia na Guiné, uma vez que a ordem política não exige a integridade moral, mas apenas cidadãos cumpridores da lei.

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