quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A GUINÉ CONACRY ESTÁ DE LUTO OU ESTÁ EM LUTA?



Esta é uma pergunta que se pode fazer neste momento em relação à situação política e militar na Guiné Conacry. A morte do presidente ditador Lansana Conté abriu caminho para institucionalização do desentendimento não só entre os militares como também entre os políticos. O luto decretado pelo primeiro-ministro parece estar a perder paulatinamente o ar de pesar e de sentimento de dor para dar lugar a uma luta de sucessão política.
Tudo isso é espelho de uma situação política em que o poder era personalizado pelo presidente. O presidente era a lei, a vontade política e a liberdade política. No fundo, os guineenses de (Canacry) não conheciam outras leis, outras normas que permitisse expressar os seus sentimentos, que não sejam aquelas permitidas pelo presidente.
Assim, a morte do presidente permite-lhes acesso e a manifestação das suas vontades. Agora vamos ver se esta vontade será outra vez uma personificação do poder. Já se sabe que a nível da geopolítica na região as coisas vão ter que ser redefinidas. Se a sucessão se fizer na linha do presidente defunto, os sucessores poderão contar com apoio dos dois países vizinhos, o Senegal e a Guiné-Bissau. Caso contrário, a instabilidade se acentuará ainda mais na região.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

AS TERRAS DE NINGUÉM



O conflito chadiano é um dos muitos conflitos mundiais esquecidos ou simplesmente ignorados. Perdido entre a riqueza e o deserto do continente africano, Chade reflecte exactamente o paradoxo das riquezas africanas. O país produz mais de duzentos mil barris de petróleo por dia, no entanto, as pessoas vivem com menos de sessenta cêntimos por dia.
Apesar da presença da força do comando europeu no país, pouco ou nada se fala dele, talvez para não zangar a França que se empenha muito em proteger o presidente ditador, a troco não só dos barris de petróleo para as empresas francesas como também do paternalismo neocolonialista francês.
Apesar de ter graves problemas internos, a parte do seu território não ocupado, isto é, aquela parte que está fora do controlo do governo e dos rebeldes, tem sido transformado numa terra de ninguém onde os refugiados sudaneses e chadianos se encontram. Têm em comum a mesma língua, a mesma etnia, a sorte de estarem separados pela régua colonial e a mesma cultura étnica.
Nas terras de ninguém, Deus parece ser a única “coisa” da qual estas almas peregrinas não sentem falta, já que é o nome mais recorrente e mais repetido no doloroso dialogo entre o absurdo do sofrimento e incerteza da segurança do dia de amanhã. É por isso, que se nos atrevermos a perguntar-lhes, “e o amanhã o que será?”, eles talvez nos responderão, “amanhã será Deus e mesmo no sofrimento, eu estarei bem”.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

DANTE ALIGHIERI, O TRANSVERSAL



A Divina Comédia é sem dúvida um dos maiores e melhores clássicos da literatura Ocidental que continua a merecer este nome não só por causa do conteúdo, mas também, e, sobretudo pela forma. Nesta linda e longa literatura, somos confrontados com o mundo natural finamente observado. Dante oferece-nos a cada instante as imagens, as comparações e os sentimentos. Faz-nos viajar através da aurora do sol sobre as águas do mar, acompanhados pela tempestade de Outono, onde encontrarmos os pastos que voltam ao coral. Em fim, é toda a natureza vegetal que invade duma forma marcante, este conto poético de Dante. A Divina Comédia não é só a poesia do amor lutador e sofredor, mas também uma obra complexa de filosofia, de política, de teologia e até de esoterismo, visto em três tempos. Porém, o nosso propósito nesta reflexão, vai consistir em caracterizar cada um destes três tempos da Divina Comédia, isto é, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso.

APRESESNTAÇÃO DA TEMÁTICA

Com o Inferno, Dante começa a sua obra implicitamente, situando a sua idade[1] e manifestando o estado descontente em que a sua alma se encontra em relação à realidade da política italiana, na altura muito conturbada. Apesar da época política conturbada, Dante era e é um dos poetas favoritos da Itália.
A complexa personalidade de Dante domina todo o poema, contribuindo assim a conferir-lhe a unidade, apesar de ser composto por muitos protagonistas. Enquanto poeta, Dante quis tocar as imaginações, quis agir sobre as almas.
Este procedimento bem intencionado valeu à Divina Comédia uma verdadeira soma de conhecimentos filosóficos, científicos e políticos da época em que escreveu a Comédia. Neles, eram justificadas as verdadeiras aulas de astronomia dadas por Virgílio, assim como os tratados de teologia proferidas por Beatriz.
Dante aparece no meio de tudo isso com o fervor de aluno desejoso de aprender. Coloca perguntas atrás de perguntas. Nunca se sentiu satisfeito em relação ao saber. Por isso, mesmo diante de Deus, também não perde esta oportunidade.
Visto que o nosso objectivo nesta reflexão não é de passar em revista todas as cenas da obra, vamos limitar-nos particularmente à analisar a alegoria religiosa, moral e política que Dante oferece.
No Inferno, Dante apresenta-se alegoricamente como alguém perdido no meio de uma floresta escura. Os analistas e os estudiosos da Divina Comédia se acordam em dizer que esta etapa corresponde ao estado da anarquia política vivida na Itália e representada pela guerra, isto é, pelo pecado[2]. O Inferno de Dante é composto por 9 círculos. Nele o caminho proposto por Virgílio consiste em fazer uma viagem pelo centro da terra.
A viagem teve início nos portais do Inferno e só terminou no monte do Purgatório depois de terem atravessado todo o mundo subterrâneo e experimentado as horríveis cores do Inferno, onde domina as cores pretas e vermelhas. Dante segue Virgílio através dos 9 círculos, mostrando-lhe o sítio onde são purgadas as almas e os diferentes pecados. Esta apresentação guiada pressupunha portanto, viajar no Inferno até chegar o lugar onde vive Lúcifer, de modo que, só saíram do Inferno depois de terem escapado de Lúcifer.
No primeiro círculo chamado Limbo encontravam-se as almas dos bons e justos apesar de terem vivido antes de Cristo e não terem a oportunidade de receber o baptismo. Neste lugar, Dante coloca muitos filósofos e poetas tais como Sócrates, Platão Homero... No segundo círculo viviam aqueles que foram condenados pelos pecados da carne, tais como a Helena, Cleópatra. No terceiro círculo encontramos Cérbero, o cão de três cabeças a lapidar os condenados pelos pecados da gula. No quarto círculo estão os que usaram mal a riqueza. No quinto estão os que foram punidos pela ira. No sexto encontramos todos os hereges. O sétimo círculo é representado pelos tiranos e assassinos que estavam submergidos num rio de sangue. No oitavo estava a fraude do rosto humano e o corpo de monstros punidos, os hipócritas e os falsos. No nono e último círculo estão os traidores, judas e tendo ao fundo Lúcifer a ostentar três rostos: o da impotência, o do ódio e o da ignorância.
Vemos neste estado o poeta que toma consciência da sua situação de pecado. O desgosto pelo mal cria nele um desejo ardente de abandonar o pecado e fazer caminhada para o bem que é representado pela colina brilhante. Mas como fazê-la sozinho visto que a sua natureza é frágil e corrupta? A corruptibilidade da natureza representada aliás, por orgulho, avarice e luxúria (Lião, loba, pantera). O poeta percebe então que só pode sair daquela situação através da intervenção divina, através da graça divina.
Esta graça não foi porém solicitada pelo poeta directamente. Foi o amor amado, isto é, foi a Beatriz que intercedeu por ele e pediu a Virgílio que fosse ao socorro do poeta. Assim o Inferno na Divina Comédia é caracterizado segundo Georges Chappon, pelo “desgaste onde o homem mede e experimenta o mal em toda a sua dimensão”[3]. O desgaste de Dante porém só tinha uma saída, a intervenção de Beatriz. A atitude de Beatriz vem por isso confirmar aquilo que Dante sempre pensou dela, isto é, um ser “destruidor do pecado e rainha das virtudes”[4] e é nisso que ela se assemelha também a Virgem Maria.
A dúvida amorosa de Dante não estava entre a Beatriz e as outras mulheres, mas entre o vício e a virtude, ou seja, a dúvida estava entre Gudio Cavalcante e Brunetto Latini, pois os dois, apesar de serem amigos de Dante, não o puxavam para o mesmo lado. Cada um procurava tê-lo do seu próprio lado. O encontro entre Dante e o seu mestre Brunetto é sem dúvida uma das cenas mais marcantes do Inferno. Apesar de Dante o condenar, mantém-lhe o respeito e admiração, pois foi o senhor Brunetto quem lhe ensinou como é que o homem se eterniza na política e nas coisas profanas.
Dante não podia duvidar da Beatriz. Ela era para ele o ser perfeito. Aliás, é por causa da sua perfeição que o número 9 tem aparecido algumas vezes e com grande significado neste obra poética. Dante encontrou a Beatriz pela primeira vez quando esta tinha mais ou menos 9 anos e só virá a reencontrá-la novamente quando tinha já 18 anos, isto é, 9+9.Em todo caso o que conta aqui é o número 9 que na leitura de Dante é o quadrado do 3.
O número 9 faz referência à criação e a perfeição criadora onde Deus criou tudo com os números e as medidas. Por isso, segundo Jacques Madaule, “conhecer o universo não na sua aparência exterior, mas na sua estrutura profunda é conhecer o número o qual cada criatura corresponde. Eis porque uma criatura perfeita como a Beatriz não podia ser designada senão por um número perfeito. É também por isso que ela é associada ao número 9”[5]. É bom também sublinhar que o próprio Inferno “é um fosso que desce em 9 círculos cada vez mais profundos e em cujo último abismo reina Dite o anjo do mal, monstro de três faces…”[6]. Com esta numerologia Dante apresenta-se como um bom poeta pitagórico.
No início do canto I do Inferno, Dante admite que a separação da Beatriz conduziu-lhe para os caminhos da perdição, pois diz ele, “porque a direita via era perdida.”[7] O recto caminho, quem será senão a Beatriz, o amor, o sofrimento que podemos ter pela coisa esperada e merecida. É isto o que Dante experimenta no Inferno e é isso o que ele viu e sentiu entre as almas que ali vagueavam sofrendo. Como disse George Steiner, com Dante, “o singular feito intelectual da Comédia é traçar o mapa do tempo no espaço.”[8] O mapa de Dante começa por isso a ser traçado no Inferno para o Céu. No entanto, antes de chegar ao céu tem que passar pelo Purgatório e, é onde estamos neste momento com Dante.
A saída do Inferno Dante e Virgílio vêm diante deles uma montanha alta que ultrapassava a esfera do ar e penetra na esfera do fogo e que ia quase alcançar o céu. Aos pés do Purgatório havia um sítio onde aqueles que se arrependem tardiamente podiam ficar à espera que os seus pecados lhe sejam purgados a fim de terem a oportunidade para entrar no Purgatório propriamente dito. Os dois passam por 7 terraços cada um mais alto que o outro, onde normalmente são purgados cada um dos 7 pecados capitais (a soberba, a inveja, a cólera, a preguiça, avarícia, a gula e a incontinência).
No entanto, antes da entrada no Purgatório um anjo marcou Dante com a letra P, que é a primeira letra de palavra “Peccatum “. O Purgatório é dominado pelas cores mais suaves, tais como o verde suave, azul suave e a cor de ouro. Também podemos constatar o aparecimento das águas do mar, as árvores e as florestas. Dante não chega ao Purgatório sozinho. Como já vimos atrás, a partir do pedido de Beatriz, Virgílio vai ser o guia que conduz Dante para o reencontro do caminho recto e do amor por quem ele sofre. Estes versos dizem tudo.

E tanto cai, que por mais que argumente
em sua salvação, não a conforte,
salvo mostrar-lhe assim perdida gente.
Por isso fui ao limiar da morte,
e àquele que até cá lhe foi piloto
fiz meus rogos, chorando, de tal sorte.[9]

Dante é assim guiado pela razão personificada por Virgílio. Pouco a pouco vai passando do desgosto à penitência e à prática da virtude. É também no Purgatório que Dante vai perceber os limites da razão humana, os limites de ajuda da sabedoria humana. Esta é aliás a razão porque Virgílio o poeta pagão desaparece no fim do Purgatório, uma vez que os limites da razão consistirão justamente na impossibilidade de compreender e de explicar tudo. Só a fé poderá justificar já que é o domínio que tem como ponto de partida, aceitar para poder compreender. Virgílio como pagão, não podia portanto continuar a ser o guia de Dante nesta andança. Esta cena permite-nos ver o lado humano de Dante, muito próximo de nós e da realidade do sofrimento.
Chorou muito quando descobriu o desaparecimento do seu mestre e guia, no entanto, a companhia do mestre valeu-lhe a pena porque reencontrou a sua alma amada. Ele pode ainda encontrar nas praias do Purgatório o seu querido amigo, o músico Casella; Dante pode também lembrar do senhor Brunetto seu mestre que lhe havia ensinado a sobrevier e a manter imortalidade através das obras e da política.
Dante não se preocupava muito com a ortodoxia religiosa, no entanto, chora e entristece-se com a humanidade ensanguentada. Via a humanidade desfilar na sua frente desde Adão até aos seus contemporâneos os seus amigos e inimigos. É pois no meio deste choro que Dante vai colocar o livre arbítrio, uma das características fundamentais não só no Purgatório como em toda obra poética de Dante. Ele é visto como a razão e princípio de toda a moral.
O Purgatório de Dante é “uma ilha que tem a forma de um monte e que se coloca em círculos cada vez mais alto. Este monte está colocado no hemisfério austral, nos antípodas de Jerusalém, e tem no seu cimo o paraíso terrestre.”[10] No mundo da Divina Comédia há lugar para o fantástico, mas não para irrealismo, pois é um mundo onde o homem criado para o eterno está intensamente atento a substância do tempo. Eis porque o livre arbítrio é muito marcante no Purgatório dantesco. O Purgatório é também segundo diz George Steiner, o lugar natural das artes”, é aí que os artistas encontram-se e recomendam-se a evitar a vanidade artística. O nome e a fama, pois ele é transitório como a cor da erva.
O que se deve portanto procurar no meio dos homens é a verdade revelada. Para Dante, Beatriz é o protótipo desta revelação, tudo passa por ela e é assim que chegamos ao Céu, ao Paraíso onde Dante vai poder não só contemplar Beatriz mas também as outras almas e os bem-aventurados.
O “Paraíso o lugar onde Adão e Eva desobedeceram ao mandamento de Deus fica, por isso, exactamente oposto ao lugar onde o pecado original foi remido pela morte de Cristo. É no Paraíso terrestre que Dante reencontra Beatriz depois de ter subido todas as estradas da penitência e depois de ser purificado no rio de fogo.”[11]
O Paraíso de Dante é dividido segundo alguns analistas como Steiner em duas partes: uma parte material e uma parte espiritual. A parte material é constituída segundo o modelo de Ptolomeu e contem 9 círculos formados de 7 planetas. Na parte espiritual Dante adquire uma nova capacidade visual e passa a poder compreender o mundo do além da matéria; aqui também ele encontra 9 círculos angélicos que giram à volta de Deus.
Dante fixa os seus olhos nos da Beatriz que em si mesma contempla o sol. Por isso, o poeta vai ser conduzido constantemente através da luz para luz, da claridade à claridade, da perfeição a perfeição, isto é, através dos 9 Céus que englobam a terra. Ele vê então as almas dos bem-aventurados numa fila e numa ordem determinada segundo os seus méritos, podendo por isso, ter uma face a face com Deus através de uma imensa ROSA CELESTIAL.
A perfeição das almas faz brilhar o Paraíso transformando-o num rio que pode cegar devido o excesso da luz. O próprio Dante faz esta experiência quando todas as almas decidiram ser caridosas para com ele. Sentiu-se então invadido pelo excesso de luz e de amor. No entanto, não foi a Beatriz que vai introduzir totalmente Dante no Céu, mas sim São Bernardo e graças à oração que este vai fazer a Virgem Maria, Dante será em fim introduzido e admito à ter a visão suprema de Deus a qual não pode ser admirada senão através de um silêncio.

CONCLUSÃO

A Comédia de Dante é assim não só o fruto de poesia mas também uma longa reflexão sobre a criação. Uma longa reflexão sobre o criador e o seu papel. “O conceito de Dante do criado, compreende não só a poesia, mas também a fundação da sociedade civil e política, da língua e de uma nova estética.” Como disse Steiner, é um encontro entre o fiat divino e o ingenium do homem. “Ainda que inspirada, a arte não é autoria da verdade final”. O mesmo acontece em relação à religião que é vivida sem Deus a qual Dante procurou demarcar-se mesmo sabendo que corria perigo, tal como aconteceu quando ficou retido em Roma pelo papa.
Como disse Alexandre Marujo, “numa primeira abordagem, a obra de Dante deverá ser enquadrada na ampla dimensão da atitude alegórico-simbólico.”[12]
Na cosmogonia de Dante como vimos durante esta reflexão, o Inferno representa todo o mundo profano e pagão, o mundo do mal, da injustiça e da discórdia. Em fim, ele representa uma esfera sem Deus, uma esfera onde vivem aqueles que fizeram uma opção errada. O Inferno é também o lugar onde o homem mau paga os actos por ele cometidos na terra.
O Purgatório por sua vez como diz René Guénon, compreende as provas iniciáticas e, nas palavras de Steiner, é o lugar por excelência da criação onde os artistas se encontram. Mas também e sobretudo, é o lugar onde o homem é dotado do livre arbítrio. É o lugar onde os princípios do pensamento fazem ligação e apelo à moral e é sem dúvidas a passagem mais importante da obra poética de Dante.
O Paraíso, a última etapa do percurso dantesco, é o lugar dos perfeitos, onde o amor e a inteligência se encontram para adorar e admirar o Deus criador e não o deus inventor. Aí Dante encontra os nomes mais sonantes da cristandade tais como São Bernardo, São Tomas de Aquino ou São Boaventura entre outros. Mas é também aí que Dante por intermédio das orações de São Bernardo acede a plenitude de Deus e com Deus.

BIBLIOGRAFIA

Vasco Graça Moura, A Divina Comédia de Dante Alighieri, Bertrand Editora, 2002 .
René Guénon, O esoterismo de Dante, Editorial Veja, Lisboa 1978.
Sophia de Melo Breyner Andresen, A Divina Comédia, in Revista Ler, nº58, primavera de 2003.
Georges Chappon, La Divine Comédie de Dante, Traductions Hatier, Paris 1963.
George Steiner, As Gramáticas da Criação, Relógio d’Água, Lisboa 2002.
Alexandre Marujo, in Logos, Enciclopéidia Luso-Brasileira de Filosofia, 1, A-D, Verbo 1989
[1] 35 Anos
[2] Geoges Chappon, La Divine Comédie, Hatier
[3] Idem
[4] Jacques Madaule, Dante ou la passion de límmortalité, Plon
[5] Idem
[6] Sophia de Melo Breyner Andresen, Revista Ler, nº58, primavera de 2003
[7] Vasco Graça Moura, Divina Comédia de Dante Alighieri, Bertrand
[8] George Steiner, As Gramáticas da Criação, Relógio de Água
[9]Vasco Graça Moura, Canto XXX, 135, Purgatório
[10] Sophia de Melo Breyner Andresen, Revista Ler, nº58
[11] Sophia de Melo Andresen
[12] Alexandre Marujo, Dante in Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Verbo

"DEIXEM QUE OS MORTOS ENTERREM OS SEUS MORTOS"



Nos tempos que correm, quando olhamos para o panorama da realidade africana, ficamos com a impressão de que estamos a vivenciar uma exortação antiga, no entanto, permanentemente nova ou continuamente renovada.
As lágrimas de desespero e de sofrimento das mães e das crianças africanas, parecem estar entregues a única garantia que se pode ter num meio hostil como aquele onde vivem, “seja o que Deus quiser”. Sabem que o mundo não deveria ser esta correria de um lado para outro. Mas têm que fazê-lo na esperança de encontrar um sítio que não lhes traga a memória da violência e de uma humanidade hipócrita e indiferente ao sofrimento dos outros.
A polémica em torno da participação militar da EU na RDC é um sinal claro de como algumas pessoas mortas têm que ser elas mesmas a darem sepulturas aos seus mortos. Para que a estratégia política possa funcionar, os mortos têm que sepultar os seus mortos. Aquela mulher que respira apenas, tem que encontrar forças para sepultar o bebe que traz nos braços e aquele homem que não acredita que está vivo mesmo assim tem de procurar forças para sepultar toda a família que acaba de perder.
É uma nova era, os mortos têm que enterrar os seus mortos para facilitar a acção política.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

MUGABE DEVE OU NÃO DEIXAR A PRESIDÊNCIA?

A questão Mugabe parece ser o tema internacional do dia, talvez mesmo o tema internacional de fim ano. O mundo político quer encontrar a unanimidade para mandar o presidente Robert Mugabe para casa. A ideia partiu do primeiro-ministro queniano, sendo corroborada dias depois por Gordon Brown, apesar de Brown não mencionar a origem de ideia que pretende dar uma reforma compulsiva a Mugabe.
Mugabe deve ou não deixar a presidência? Não temos nenhuma simpatia nem pela política do presidente octogenário nem pela sua pessoa. No entanto, parece-nos vergonhoso a atitude da comunidade internacional em relação à África de uma maneira geral. Mandar Mugabe para casa seria simplesmente a confirmação (desnecessaria) da supremacia e da hipocrisia da comunidade internacional, particularmente da União Europeia.
A África não tem só um Mugabe mas muitos. Todos estão interessados em mandar o Mugabe de Zimbabué para casa e não outros Mugabes africanos, justamente porque Rober Mugabe se está revelando um rebelde ante ocidental, uma inconveniência para a moralidade europeia, um arrependimento tardio.
Mugabe não é mais criminoso que a indiferença europeia em relação à RDC ou ao genocídio ruandês para não mencionar só estes já que tornaria numa litania interminável da cumplicidade da comunidade internacional no sofrimento africano. Não se deve apoiar Mugabe mas também não se deve apoiar a demagogia da comunidade internacional.

Ps: Publicado in FM.

domingo, 27 de abril de 2008

ZIMBABUÉ, DO TERROR DEMOCRÁTICO À RESIGNAÇÃO



O convite era que eles dançassem a “Polonaise” de Chopin em lá bemol maior num ritmo africano, antes de qualquer ensaio prévio, e a resposta foi: “Não, aqui Chopin certamente, a este andar, adormecia-nos”. Dito isto, nunca mais ninguém se lembrou de fazer uma contraproposta, talvez por isso, o Zimbabué tem vindo a incarnar o rosto do terror democrático em África. O terror democrático expresso nos rostos bifurcados. De um lado, o rosto do velho Mugabe com a pele a despedir-se do ar seco e do ambiente agreste e comprometedor, por aquilo que os seus anos no poder representam politica e socialmente para o país. Do outro, o rosto quase irreconhecível do povo, de tanto sofrer e de tanto esperar numa esperança abundante, mas que afinal não era para eles, como já o dizia Kafka.
Neste encontro dos desencontrados, a comunidade internacional vai gritando e brandindo, orgulhosamente, as proezas das suas sanções, que no fundo não são contra Mugabe, mas sim contra o povo que, por sinal, já está suficientemente fustigado por este, pelo ódio ofuscante que o anima contra os ocidentais e, em particular, contra os ingleses, ou melhor, contra os sucessivos Governos das terras da sua majestade. É pois, nesta complexa nuvem de um palco mal preparado e de um povo que resiste a dançar a música clássica em tons da democracia envernizada, que o país do octogenário, que outrora foi o símbolo de libertação e hoje um decadente mal humorado, resiste a não ser sepultado na cova da urna.
O terror democrático reside no facto de que Mugabe não pode perder e reside também no facto de que alguma franja daquele povo sofredor ainda o vê como herói e salvador do país que eles pensam que existe, mas que no fundo não passa de um moderno campo de concentração, onde as pessoas não morrem asfixiadas com gazes, mas onde morrem com o medo de serem quem são.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

KADAFI E O ARABISMO


O ultimato lançado, há dias, na véspera de mais um “encontro-festa” dos líderes africanos pelo coronel Kadafi, faz lembrar a querela dos finais dos anos 50 e início de 60, de um lado a teoria da africanidade e de outro, a teoria de arabidade. Num desabafo à imprensa, o coronel disse que se os líderes africanos, isto é, da África negra, não fizerem esforços para se entenderem, ele iria, simplesmente, virar-lhes as costas. Mas, para onde é que iria? Para a associação mediterrânica ou para o mundo árabe. A questão é: será que o coronel faz falta a nível da geopolítica e geoestratégica a estes dois espaços? Julgo que não. O coronel Kadafi, apesar de vestir a capa dos recém-convertidos à não-violência, continua a ser uma pólvora política ambulante e ninguém neste mundo de tensão quer estar ao lado das bombas ambulantes. Sarkozy que o diga.
Se o coronel decidir levar avante a sua ameaça, fabricará o seu auto isolamento e voltará a experimentar a sua longa caminhada do deserto. Na África negra pode gritar porque tem mais dinheiro e porque tem mais tecnologia e, sobretudo, porque sempre olhou para os seus colegas com um ar de superioridade. Aliás, razão pela qual, como diz um analista, a sua arrogância era a única que conseguia unir os presidentes: Sekou Touré, Senghor e Félix Houphouet-Boigny. Assim, é de esperar que o coronel não saia nem venha um dia a decidir sair. Nas zonas mediterrânicas não poderá levantar a voz, pois poucos dependem dele e no espaço árabe acontecerá o mesmo até porque aí, ele nunca foi ouvido, nunca foi tratado como um rei e nunca recebeu o protagonismo que desejou.
Poder-se-ia perguntar, também, se o coronel quer ressuscitar o arabismo dos anos cinquenta e sessenta no continente. É pouco provável, até porque esta corrente morreu pela sua própria contradição. Árabes entre os africanos e africanos entre os árabes, motivos suficientes para a porem a andar, quer de um lado quer do outro.
No entanto, o alerta do coronel não deixa de ser significativo. Contrariamente à ideia que deu aquando da cimeira Europa-África, com as acusações virulentas contra as potências coloniais, o desabafo do coronel pode ser lido como um reconhecimento da própria incapacidade da UA em gerir o seu destino. Sartre já tinha avisado no prefácio à obra de Senghor: “um dia vocês não poderão mais reclamar contra os outros, se o fizerem estarão a assinar o fracasso das vossas independências.” Os estudantes e especialistas da Negritude devem estar, neste momento, a rever as argumentações de Sartre no desespero de Kadafi.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

REPESCAR A MEMÓRIA

A DESINTEGRAÇÃO DA GUINÉ, REALIDADE OU BOATOS FORÇADOS

Numa lógica laboral onde tudo funciona como deve ser é normal que cada um faça o seu trabalho e, sobretudo, que o faça como deve ser. Assim, nesta óptica de raciocínio, a notícia publicada há dias no NL, que dava conta de que a Guiné-Bissau corre o risco de desintegração, não pode deixar de ser percebida como uma tentativa de fazer bem o trabalho que nos foi confiado.
A Guiné é um boom e não precisa do narcotráfico para se desintegrar e nenhum fenómeno social ou de delinquência económica pode ser mais violento que o próprio ambiente histórico tradicional, político e militar guineense. Isto não é uma profecia, é uma realidade material com a qual convivemos há mais de trinta anos. Não se pode, por isso, falar da desintegração da Guiné por causa da droga, mas, provavelmente, de uma redefinição da desintegração do território guineense à luz dos novos interesses.
Como dissemos em artigos anteriores, curiosamente publicados há mais de dois meses (Os olhos postos na Longitude e a A grande “selva” selvagem” de 28 de Abril e 19 de Julho), o problema do alarme do narcotráfico na Guiné, apesar de ser político-militar, não é, nem de perto nem de longe, um problema guineense, é, antes de tudo, um problema Ocidental, é um problema europeu e americano.
O rendimento e a economia guineense não permitem que o guineense lide com o fenómeno da droga, a não ser que todos decidam ser funcionários da droga; ora isso é impossível, uma vez que a própria estrutura hierárquica do narcotráfico não quer qualquer guineense para o correio de tráfico, mas sim o guineense. É por isso que é inconcebível e insustentável prever que o país se desintegre simplesmente por narcotráfico; o Brasil e a própria Colômbia apesar da guerra civil deste último, são exemplos de Estados com muito narcotraficantes e que nem por isso são desintegrados. Será que vamos dizer que policias, militares brasileiros ou colombianos entram de mãos abanar em favelas, e isso é desintegração?
Também é abordada a questão de que a instabilidade na Guiné pode mexer com os Estados vizinhos, o que também não deixa de ser questionável, por uma simples razão, de que a Guiné-Bissau nunca foi um Estado estável. Aqui, a correlação não é linear. Cada país tem os seus próprios problemas e que, de modo particular, naquela região é explicável a partir do não entrosamento étnico e regional no relacionamento da vida política e militar. É o caso do Senegal com a questão de casamancesa, é o caso da Serra Leoa com a dicotomia Norte-Sul que se repete também na Costa do Marfim, na Libéria é o ajuste de contas entre a originalidade das elites sociais e políticas, o trauma da americanização africana falhada.
Na Guiné-Bissau não há desintegração e não vai haver desintegração a não ser que os militares guineenses o queiram, mas eles não a querem, porque eles já são ricos e sabemos que quanto mais rico o homem for mais medo ele tem da morte violenta. Alguém se lembra onde o Nino foi encontrado na guerra de 7 de Junho, alguém se lembra de onde Sadam Hussain foi encontrado? É o reflexo do rico que tem tudo a perder e, neste momento, os pobres militares que se enriqueceram à custa da corrupção não estarão dispostos a voltar ao ponto zero do alto pedantismo.
Da mesma maneira é irrealista associar a fragilidade guineense ao terrorismo, até porque esta eventualidade não é um posicionamento recente, uma vez que a imposição do Nino pela comunidade internacional tem justamente a ver com isso. Nino está na presidência porque a comunidade internacional estava convencido de que um homem forte actuaria com mão forte sobre um Estado falhado e consequentemente, impediria os focos do terrorismo internacional. Se ONU declarar o território guineense como sendo o lugar de lavagem de dinheiro para o terrorismo internacional, fá-lo-á por conveniência da má informação e não pela constatação da realidade. Os estudos divulgados na imprensa têm mostrado que há cada vez mais drogas a circular em Portugal e que há também muita gente a cultivar drogas nas suas propriedades. Será que a ONU vai declarar Portugal como um Estado de lavagem de dinheiro para os terroristas? E se falássemos de coisas sérias com objectivos sérios e deixarmos as guerras de ajustes de conta para o campo privado?

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A UTOPIA OU A PROFECIA DA DESGRAÇA


As últimas semanas trouxeram à ribalta muitos textos sobre a Guiné, entre eles, um longo texto (passa pleonasmo) sobre a Al-Qaeda na Guiné. O texto traz muitas coisas, particularmente, aquilo que designamos na gíria guineense por “nobas”, mas não nos traz nenhuma informação jornalística credível. A imagem com que ficamos na lonjura do texto é de que nadamos numa exposição do jornalismo por encomenda. Isso não quer dizer que quem está fora do país não pode escrever ou não pode opinar sobre o mesmo. Não, não é isso. O que se quer dizer é que tendo em conta a inquestionável impossibilidade da neutralidade, o rigor da informação se apresenta como a única garantia da sua fiabilidade. Isso quer ainda dizer, que não se pode fazer colagem forçada de alguns acontecimentos casuísticos à situação actual em que o país se encontra.
Não é porque o país se decidiu drogar com o narcotráfico que a Al-Qaeda se lembrou de ir pedir esconderijo à desordem guineense. Al-Qaeda é o terror dos tempos modernos que está onde quer estar, embora nem sempre consiga estar quando quer estar. E, a Al-Qaeda já demonstrou que é uma organização multifacetada com inúmeras possibilidades de assimilar e de se adaptar segundo as circunstâncias. Julgo que não é demais lembrar que os EUA, a Inglaterra ou Espanha não são países que se possa etiquetar de desorganizados mas, mesmo assim, neles a Al-Qaeda fez o que todo o mundo sabe. E julgo ainda que é do conhecimento da opinião pública informada o que se está a passar neste momento na Europa em relação ao terrorismo. Em Barcelona foram presos 15 indivíduos suspeitos de ligação à Al-Qaeda e sabe-se que a polícia portuguesa está atrás de dois cidadãos paquistaneses, também eles, suspeitos de envolvimento com a rede radical islâmica, e mais, no mês de Dezembro foi preso no Porto um indivíduo de nacionalidade marroquina por suspeita de pertencer à Al-Qaeda. No fundo, independentemente da instabilidade guineense, a verdade é que os factos da Al-Qaeda falam por si e é, também por isso, que não se deve apoiar em qualquer tipo de argumento florescente para fazer valer uma verdade inexistente. Por tudo isso, penso que a comunidade internacional, refiro-me àquela comunidade internacional muito bem informada da história da violência política e social guineense, e não àquela que o desejo da vingança e os ajustes de conta nos faz criar, nunca estará preocupada de forma alarmista com a possível organização do movimento radical islâmico na Guiné por uma simples razão: É que se é verdade que a história política guineense é compatível com a violência, também, não é menos verdade que esta mesma história se revela incompatível com a violência sectária. Ora, como todos sabem, a Al-Qaeda é cunhada por uma ideologia religiosa sectária. Não é a pobreza ou a desordem que dita o acolhimento dos movimentos ideológicos, sejam eles políticos ou religiosos, mas sim “o espírito do tempo”. E não se trata aqui de um “espírito do tempo” puramente hegeliano, mas da realidade concreta do que é a Guiné hoje; e a Guiné hoje é tudo menos uma partilha de poder sem lucro para os bolsos dos dirigentes e dos militares e é de conhecimento de todos que a Al-Qaeda não traz lucro.
Aproveito aqui para lembrar também que alguns tinham profetizado a desintegração da Guiné, a intervenção militar da ONU e até uma possível invasão norte-americana no país coisa que sempre contestei. Tudo isso não aconteceu pois não? A grande resposta que vimos é que a comunidade internacional, aquela comunidade internacional consciente da necessidade da estabilidade da Guiné sem a coerção de terceiros, doou dinheiro para o bolso dos governantes sob pretexto de que quer participar na luta contra a droga no país. Isto quer, simplesmente, dizer que a política não é o que os cibernautas ou os cidadãos comuns querem, mas sim, aquilo que é neste momento presente, ou seja, aquele sic et nunc, o aqui e agora que Maquiavel impingiu a toda a realidade cujo nome é política.
O que deve preocupar aos guineenses não é a possível presença da Al-Qaeda no país, mas como fazer com que ela não esteja presente no país. A Guiné não responde a esta pergunta porque não reúne condições para responder, assim como um grande número de países, inclusive ocidentais, não reúne condições para responder à dita pergunta. O que não quer dizer que na Guiné ou nos outros países não se deve ter a preocupação com o movimento radical islâmico. Simplesmente não se deve chamar Al-Qaeda onde ela não está nem faz intenção de estar.
Para finalizar, quero voltar à questão de forjar a verdade através de argumentações simplistas e de provas inexistentes. Os “tipos” que foram presos na Guiné não foram lá porque o país é instável ou porque se vende droga, mas por um hábito da transitoriedade criada na Guiné. Quantos estrangeiros daquela sub-região entram para a Europa e para os Estados Unidos com os documentos guineenses sem serem terroristas?
Vamos discutir o país? Sim, mas com a verdade e objectividade. Ah, e outra coisa: eu só respondo a alguns.
Chamar-me-ão ninista? Sim, com muita pena minha, mas neste artigo concreto prefiro sê-lo. Pois como diz Aristóteles, sou muito amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade.