quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

BURKE E O CONSERVADORISMO

Em Burke, o termo conservadorismo define-se em oposição ao imobilismo, isto é, a tendência estaticista com uma certa alergia à mudança. Burke não recusa liminarmente fazer qualquer tipo de mudança. Para ele, as mudanças só devem acontecer para acentuar o bem já existente. Por isso, ao tratar o conservadorismo, vai fazer ligação entre a conservação e a reforma, ou seja, vai propor que seja conservado o que merece ser conservado e reformado o que merece ser reformado.
É neste âmbito que ele dirá que qualquer actividade política faz-se de acordo com as circunstâncias, em outras palavras, toda actividade política é uma actividade situacional. Por isso, sendo a política uma actividade situacional, ao estadista é exigido que tenha muita humildade para poder captar as necessidades da mudança que brotam por vezes da contingência. Assim, na interpretação de Burke, o processo de mudança é diferente de processo de destruição. Para ele a revolução francesa era o protótipo dos processos politicamente destrutivos. Os revolucionários não estavam a mudar nada
A mudança, neste caso, a transformação, tem sempre em conta a antiguidade das coisas e a sua prescription, isto é, a presunção necessária para saber que se alguma instituição existiu até esta altura é porque deve haver razão necessária para que ela exista. Isto não quer dizer que o que é velho é bom, mas que o que é velho deve ser conservado pela sua sabedoria e a sua utilidade.
Burke recusa assim a ideia de liberdade reclamada pelos revolucionários franceses, uma vez que segundo ele, esta mesma liberdade não passa de uma desordem e consequentemente de uma inversão dos papeis sociais.

Je crois que la liberté des autres nations n’est pas plus pour moi que pour eux un objet de jalousie; mais je ne peux me mettre en avant, ni distribuer la louange ni le blâme à rien de ce qui a rapport aux actions humaines et aux intérêts publics sur le simple aperçu d’un objet dénué de tous ces rapports, dans toute la nudité et dans tout l’isolément d’une abstraction métaphysique[1].

Estas palavras reflectem e revelam bem o sentimento que Burke tinha do conceito da liberdade reclamada pelos revolucionários. Para ele, uma liberdade que rompe com a salvaguarda do interesse público e da tradição não pode aos seus olhos merecer reconhecimento. É curioso que também neste trecho Burke deixe sub entendido o facto de que a verdadeira liberdade nunca pode estar ou ser incompatível com as circunstâncias da mudança.
A ideia que ele deixa aqui, é de que não se pode ser livre sem responsabilidade e sem ser responsabilizado pelos desastres cometidos. Condena também o facto de os revolucionários franceses quererem comparar a sua revolta com a de 1688 e acusa-os de terem eles mesmos deturpado o princípio da revolução de 1688 e de terem feito do princípio deturpado o verdadeiro princípio da revolução.

Les messieurs de la Société de la Révolution n’ont vu dans celle de 1688 que la déviation de la constitution; et ils ont pris la déviation du principe pour le principe lui-même. Ils prennent peu garde aux conséquences évidentes de leur doctrine, qua qu’ils eussent dû apercevoir qu’elle ne laissait aucune authenticité positive à un grand nombre des institutions positives de ce royaume[2].

Mais uma vez Burke volta a frisar a questão das instituições, isto é, a questão do respeito pelas instituições, por outras palavras, a questão da continuidade. A mudança, mesmo sendo situacional, tem de ter sempre um paradigma, uma referência. Numa outra passagem ele destaca o facto de o princípio de conservadorismo e o princípio da mudança terem em conjunto moldado a sociedade inglesa na altura da restauração e da revolução.

Elle conserva ces anciennes parties exactement comme elles étaient; et elle fit en sorte que la partie renouvelée pût s’y adapter[3].

Assim, para Burke, quem não consegue mudar, peca pontualmente porque não conseguiu mudar uma coisa concreta. Pelo contrário, quem não conseguiu conservar peca em tudo e perde tudo uma vez que as mudanças implicam quase sempre o desrespeito pelas antigas instituições.
Em geral, estas dificuldades acontecem porque algumas pessoas desvalorizam a força e o papel das circunstâncias.

Les circonstances que n’est rien pour quelques personnes, sont pourtant, dans la réalité, ce qui donne à un principe de politique sa couleur distinctive et son véritable caractère. Ce sont elles qui rendent un plan civil et politique, utile ou nuisible au genre humain[4].

As circunstâncias são por isso para Burke uma espécie de eixo controlador dos movimentos sociais e dos movimentos das mudanças. As coisas tornam-se políticas ou civis de acordo com as circunstâncias e de acordo com abordagem que se fez da circunstância, é por isso que é bom ter muito discernimento para poder avaliar o que é bom do que é mau. Com isso, Burke recusa também que se felicite os revolucionários, pois diz ele, que o princípio exige que seja respeitado a ordem estabelecida pela natureza.
O conceito de estado de natureza de Burke diverge com aquele de Hobbes, uma vez que ele não toma por “estado de natureza” aquele movimento cíclico violento na tentativa de sobrevivência, mas sim o respeito pela lei estabelecida e pela antiguidade das coisas, isto é, o respeito pelo longo desenvolvimento histórico, dito de outra forma, a natureza é igual à história[5].
Com isso, ele põe também em causa a teoria da desobediência, pois diz ele, é difícil dizer a partir de que momento a obediência deve cessar e a partir de que momento a resistência deve começar, pois este processo não pode ser determinado por um único acto, daí a dificuldade de falar de direito à desobediência ou da resistência. Pelas mesmas razões não se pode falar do direito à destituição dos governantes pela má conduta. Para ele, nenhum governo do mundo poderia aguentar perante uma acusação assim tão vaga. Aqui Burke parece ter ido buscar a critica de Hobbes ao conceito da tirania em Aristóteles. Contrariamente a Aristóteles, Hobbes não acreditava que um governo popular não pode ser tirano. Dizia, num Estado bem ordenado não são os homens que governam, mas sim as leis.
Não esconde o descontentamento que tem pela revolução. Invoca o desrespeito pela moral, pela boa governação, pela ordem pública e o desrespeito pela religião. Segundo ele, na ausência destas características não se pode falar de liberdade, já que a liberdade pressupõe antes de tudo uma coordenação do corpo social. a manutenção do corpo social através do vínculo da tradição, que justamente por não serem expressos, tinham mais força que qualquer outra ideia revolucionária ou política
O coservadorismo de Burke é também confrontado com a questão da legitimidade do rei. Como dizer que o rei é legal se ele não for eleito, se a sua designação não vem de uma escolha popular? Burke vai respondendo dizendo que as circunstâncias actuais não podem mudar o costume o habito, até porque a legitimidade da realeza está contida nos documentos constitucionais. Invoca a jurisprudência para demonstrar a legitimidade do rei baseando-se no facto de o exercício do poder do rei se ter sempre dado bem apesar de algumas limitações que segundo ele, fazem parte da própria natureza humana. Por isso, deve-se ter em conta a experiência e valorizá-la.
As mudanças implicam entrar numa zona desconhecida e implicam experimentar uma novidade que nem sempre é boa, ou seja, a mudança pode ser um risco desnecessário, é por isso ,diz Burke:

Le peuple d’Anglaterre ne singera pas des modes dont’il n’a jamais essayé ; et il ne retournera pas à celles qu’il a trouvé malheureusement à l’épreuve. Il regarde l’hérédité légale de la sucession au trône comme un des droits de la nation et non pas comme un de ses griefs[6].

Burke alega que a experiência tem demonstrado que a sucessão hereditária sempre conseguiu garantir segurança aos ingleses. Por isso, para ele, defender a ideia de eleição para o trono da Inglaterra não passa de uma amalgama constitucional que pode não trazer nada de bom para a própria Inglaterra.
Assim, para ele, a questão das eleições para o trono é uma questão moral, antes de ser uma questão política, já que na sua opinião por exemplo, a câmara dos pares, (la chambre des paires) não tem poder para dissolver a câmara dos comuns e muito menos dissolver a si mesma ou de recusar cumprir com as suas obrigações. É por isso que para ele, a questão moral passa pela continuidade da hereditariedade, isto é, pelo respeito da regra já existente.
A ideia de Burke é que há duas partes contratantes no que diz respeito à questão da realeza: por um lado está o rei e por outro está o povo. As duas partes estão unidas pelo vinculo do contrato aqual são obrigadas a cumprir respeitosamente. É por isso, que não há necessidade de eleições, pois a legitimidade do rei reside neste pacto constituicional entre o rei e os seus súbditos.
Assim, o grande problema de Burke, é o horror que ele tem pelo abstracto. Já em relação à revolução americana, também se mostrou muito céptico para com a liberdade abstracta[7], embora muito menos que em relação à revolução francesa. Recusa portanto a ideia de querer nivelar tudo ao mesmo plano. Esta igualização das condições de que Tocqueville nos fala. Para Burke, esta ideia gera uma autodestruição política e constitucional. Para evitar que isso aconteça, Burke propõe que se reabilite os preconceitos, uma vez que segundo ele, contribuem para a protecção da liberdade.
Embora não tenha negado a força da razão individual, nega contudo que tenha a grandeza que o espírito do século o atribuiu. Segundo Hannah Arendt, o ódio de Burke pelos revolucionários residia sobre tudo no facto de eles se terem preocupado mais com os fidalgos de que com as instituições e isso contribuiu muito para que ele orientasse o seu conservadorismo numa esfera situacional.
Naturalmente, os revolucionários que aparentemente defendiam entre outras, a ideia do liberalismo de Locke, não poderiam desaproveitar a ideia do mestre para se tornarem crianças adultas. Assim a revolução é para eles a emancipação, a passagem para a fase adulta, a fase de cidadania. Uma passagem que souberam transformar numa espécie de religião universal, segundo Tocqueville, ao colocarem o homem no centro de toda movimentação revolucionário.
Burke criticará também este conceito de homem que os revolucionários apresentam ou defendem, já que não só não respeitam o homem como também não valorizam a experiência do passado. Outros críticos da revolução francesa como John S. Mill invocarão o papel da experiência como um toque constante de alarma que não deve desfazer-se em peças desconexas.
Burke criticava sobretudo a imaturidade de igualitarismo e a sua insustentabilidade. E, de facto, o tempo não tardou em demonstrar que com a revolução francesa se abriram as portas através dos dogmas igualitaristas a uma política “legítima” de repressão social, uma vez que o fio condutor dos dogmas revolucionário era substituir a desigualdade pela igualdade sem mais.


[1] De la Révolution en France, pg 29.
[2] De la Révolution en France, pg 44.
[3] De la Révolution en France, pg 43
[4] De la Révolution en France, pg 29.
[5] Jean-Jacques Chevallier e Yves Guchet, As Grandes Obras Políticas, pg 196.
[6] De la Révolution en France, pg 47.
[7] Jean- Jacques Chevallier e Yves Guchet, As grandes Obras Políticas de Maquavel à Actualidade, pg 193.

sábado, 24 de janeiro de 2009

UMA EXPERIÊNCIA ATERRORIZADORA

Em 2005, após a conclusão da minha licenciatura em Sociologia – Organizações e Planeamento, na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, farto da vida em Portugal, vim para a minha terra natal aproveitar as oportunidades profissionais que Angola oferece aos seus filhos.
Como tendência natural e resultado do alto nível de centralização administrativa e política e de oferta de trabalho, fixei-me na terra da Kianda – Luanda.
Comecei a procurar trabalho, distribuindo curriculum para quase todas as empresas cuja orientação politica me parecia encaixar com a minha formação… desde empresas petrolíferas (BP, CHEVRON, etc.), organismos estatais, etc. Em Portugal, os nossos governantes nos diziam que o país precisa muito dos seus quadros que estão no estrangeiro. Por isso pensei, tanto eu como muitos, pensamos que era fácil arranjar um emprego cá, mas, enganei-me!
Entretanto, lá consegui um trabalho, numa empresa de selecção e recrutamento de pessoal, a EMOSIST, uma empresa muito dinâmica. Na altura, o trabalho consistia em seleccionar os candidatos à bolsa de estudos ao estrangeiro através da empresa SONANGOL. Ofereceram-me um salário razoável, cerca de 2000usd. Mas, tive que desistir de trabalhar nessa empresa porque por um lado, os 2000usd não iriam cobrir as necessidades básicas da vida em Angola: i.é, renda de casa (imaginem ter de 1000usd de renda, não mensal, mas anual), e transporte pessoal. Naquela altura, residia em casa de um amigo no “projecto nova vida”, ir de candogueiro (às 4h30 da manha de nova vida até o Mira Mar é uma experiência desaconselhável), por outro lado, o quotidiano de Luanda pareceu-me monstruoso demais.
Decidi tentar a sorte na minha cidade natal, Benguela.
Em 2005, o único trabalho que podia encontrar era de professor, o que de facto despertou positivamente o meu interesse, sendo que sempre quis dar aulas. Julgo mesmo que as pessoas que tiveram a oportunidade de ter acesso ao conhecimento, têm o dever moral de partilhá-lo com vista a garantir o maior bem público. Assim, comecei a distribuir o meu curriculum nas universidades que então existiam; a Lusíada, Piaget e a Universidade Pública.
A primeira entrevista foi-me concedida pela Universidade Pública. A pessoal com quem falei, disse-me que a universidade atravessava uma carência profunda de professores (na altura possivelmente só existiam duas pessoas formadas em Sociologia na província), por isso a minha vinda era uma espécie de providência necessária. Aconselhou-me a cumprir com os requisitos institucionais para o ensino nacional, questões de equivalência e reconhecimentos dos certificados académicos. Em princípio achei ser uma piada, mas depois percebi que o Sr. Dr, estava a falar a sério. Não percebi, por que carga de água é que uma instituição de ensino, que parece não ser reconhecida pela UNESCO teria de reconhecer os meus estudos. Não achei graça, e rapidamente desisti da ideia de aulas nessa Universidade.
Em seguida, procurei contactar a Piaget. Quando lá fui, estava um calor de rachar, por isso, resisti ao fato e a gravata e fui vestido adequado ao clima de momento. Facto que se revelou num grande erro. Lá estava eu, 24 anos de idade, com uma calça de ganga e uma t-shirt, a perguntar dos requisitos necessários para apresentar a minha candidatura ao corpo docente da instituição. Fui naturalmente ignorado, pelas lindas funcionárias da recepção. Teimosamente, lá voltei dois dias depois, e recusei-me a sair de sem antes falar com a Directora. Finalmente fui recebido por ela. Uma senhora portuguesa, muito simpática, também ela formada na Universidade Católica, mas em VISEU. A conversa correu bem. Meses depois, estava eu a dar aulas na universidade.
O processo de entrada na Lusiada foi mais complicado, tive mesmo que recorrer aos meus amigos de Luanda, para dar a volta aos obstáculos do mosaico da cozinha.
Abril/Maio de 2005 iniciei a minha actividade docente.
Dar aulas revelou-se uma experiência aterrorizadora. Um mês depois de aulas, apliquei um mini teste nas duas universidades. Um autêntico desastre. A nota máxima, de 0 a 20, foi de 5 valores. O cenário era inacreditável. O que a maioria de alunos escrevia nem dava para perceber, uma caligrafia horrível, erros ortográficos inaceitaveis, e é melhor nem falar na gramática. Fiquei absolutamente preocupado.
A conversar com eles acerca dos resultados, percebi que a maioria deles nunca tinha lido um livro na vida (pessoas com idade compreendida entre 18 e os 60 anos), e alguns nem se quer um jornal. Parte deles fizeram o ensino secundário no período nocturno, com a falha gritante de energia. Enquanto, os adultos, a maioria trabalhava, estava essencialmente de olhos no canudo, para garantir o status (que o “Sr. Dr.” oferece) e a reforma. Os mais novos nem tinham noção da natureza dos cursos em que estavam inscritos.
A Direcção de uma das universidades, solicitou uma reunião para a análise dos resultados. No essencial, a Direcção informou-me que eles precisam dos seus clientes e que acreditam que eu preciso do meu emprego, i.é, partilhamos interesses comuns. Com argumentos do tipo, o Sr. professor tem que se adaptar ao contexto, e que aqui não é Europa, etc. Eu disse-lhe apenas que não estava a trabalhar numa contextualidade, mas numa universidade e que não percebia como é que a Biblioteca da universidade tinha menos livros que os livros que comprei durante a minha licenciatura, e que a mesma nem tinha uma sala de internet. Percebi duas coisas: que eles estavam em Vennus e eu em Marte, e que eu constituía um obstáculo aos interesses da maioria dos alunos e dos meus patrões. Os alunos chegaram mesmo a rebentar com uma navalha, os quatro pneus do meu carro.
Com o tempo fui-me desiludindo, e assistindo os meus colegas que pautavam a actividade docente com seriedade e rigor abandonarem a actividade. Como não estava a fim de alinhar na mediocridade (exceptuando algumas pessoas realmente sérias e alunos muito aplicados), também abandonei o sonho de dar aulas.
Foi uma decisão muito dolorosa, por acreditar que a nossa terra já mais alcançará o desenvolvimento desejado (que por cá muitas vezes se confundi com o crescimento económico), enquanto não apostar na formação, não apenas quantitativa, mas qualitativa do seu capital humano.
Para quem acredita em Deus, resta rezar muito, para quem não acredita, talvez acreditar no desígnio da natureza……
PS: Por David Bóio, Sociólogo.





sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A ESPERANÇA DOS INOCENTES

América encheu o mundo nestes últimos dias com um tom de verde esperança através do milagre dos impossíveis. Obama tornou-se num factor recente que mais depressa caiu no lugar comum mesmo antes de começar o seu trabalho presidencial. Todos são Obama e todos são de Obama. Em África, o ethos de “africanidade” e da “negritude” parecem estar em alta. Todos parecem sentir-se resgatados da interiorização da inferioridade, porque finalmente chegou o dia de um negro dirigir o país mais poderoso do mundo.
Os americanos parecem ser os únicos a ver o presidente Obama como um factor da mudança social e da política. 80% da população acredita nele, mas não esperam milagres a curto nem a longo prazo. Ele é para eles simplesmente o rosto da diferença americana, da unicidade americana. O país consegue pôr-se de pé apesar de muita contrariedade, graças à sua igualização de condição.
América é também nestes dias a expressão do cumprimento da profecia de George Bernanos, este pensador dizia que os pobres têm o segredo e o dom da esperança. Pois é, Obama é simplesmente o produto de um longo tempo de espera e de esperança. A sua ascensão à presidência americana é uma recompensa à esperança dos inocentes, aqueles que sempre acreditaram. Não porque tinham fé naquilo no qual acreditavam, mas porque perante a limitação humana, esperar é o único acto inteligente capaz de compensar a impotência do homem fragilizado e vulgarizado pelas contingências sociais.
Deus não pinta nada neste evento, a madureza política sim, e, sobretudo, a unicidade, da democracia americana.

PS: In FM

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A ETIÓPIA ABANDONA A SOMALIA

Depois de uma presença longa e trágica em Somália, o governo etíope decidiu retirar o seu contingente militar no solo somali. A praga de abandono das terras de Mogadíscio parece perseverar. Depois do falhanço americano, agora é a vez do grande vizinho da Somália decidir rumar para casa. Os somalis nunca aceitaram e nunca viram com bons olhos a presença do seu grande vizinho. Era para eles uma humilhação.
Os islamistas somalis podem assim reclamar claramente vitória não só sobre a Etiópia, mas também sobre a comunidade internacional. Neste momento só permanece no país, o contingente internacional composto por ugandeses e burundeses. Mas é provável que também abandone devido à praga da indiferença que assola Somália.
O representante das Nações Unidas em Somália disse há dias que a bala estava do lado dos somalis para pôr fim à sua longa e trágica violência. Quererá com isto dizer que a esperança para paz se vai morrendo cada dia que passa para os habitantes daquele país martirizado. Para a comunidade internacional parece que é muito mais importante acudir países como Chade e Níger porque aí não é confrontada com a humilhação. Não se trata de não ajudar Chade e Níger, mas trata-se sim, assumir que é uma forma de desmistificar a sua fraqueza em Somália.
Que farão a Uganda e o Burundi ai sem apoio da comunidade internacional? Como se conseguirá a paz para toda região se a Somália continua em ferro e fogo e sob o comando dos islamistas? Não é só a Etiópia que abandona a Somália, são também os Estados Unidos que abandonam a Somália pela segunda vez, já que os EUA fazem parte dos países que apoiaram fortemente a intervenção etíope no território somali.
Ps: In FM

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

PERDÃO E PUNIÇÃO

A Guiné-Bissau volta a ser notícias estes dias na imprensa internacional por um mau motivo. A guerra de estratégia entre o presidente da República, João Bernardo Vieira “Nino” e o seu chefe de Estado-maior, o general Batista Tagme Na W, para controlar o país parece ter rompido definitivamente a esfera das guerras privadas, as guerras de equilíbrio.
Desde de 2004 que temos vindo a escrever sobre a fantochada de perdão entre os dois homens. Uma fantochada que pode levar o país para confrontação militar a qualquer momento, basta para isso que o instinto de conservação de um decide reclamar a sua autoridade suprema sobre outro. A estabilidade do país depende neste momento da resignação ou não do instinto de conservação dos dois homens. A Guiné-Bissau continua a flutuar no seu amor a violência militar.
Enquanto o mundo político preocupa-se em fazer política através do discurso, de aprendizagem e da dialéctica, os políticos e os militares guineenses estão obstinados a fazer da acção violenta o prato forte para ser o bom político. Nesta lógica não é de estranhar que no país não possa haver perdão particularmente, na esfera político-militar. A Guiné é o Estado típico onde não pode haver perdão por não ter havido antes a punição e a responsabilização. O país confundiu a punição com o acto de violentar o outro sob pretexto de ser culpado. E, este é o grande erro guineense. Não é só o arrependimento que é perdoado, mas sobretudo a responsabilização e a compreensão do acto errado pelo qual se pede perdão. Nenhum país pode sair do ciclo da violência político-militar usando a teoria de engrenagem para se auto inocentar.
PS: publicado para FM

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O INFERNO DOS ESQUECIDOS

Há um vento manso que continua a soprar tristemente nas mortíferas ruas de Somália. O Céu parou a história de quem ai vive e a violência roubou a memória da noção de PAZ. Os mais velhos provavelmente já ouviram tal palavra: Paz. Mas quem será afinal o mais velho num continente onde o nível de vida oscila entre os 35 e os 45? Assim sendo, poucas pessoas na Somália poderão dizer que já ouviram falar de uma paz real, aquele momento de acalmia que nos faz dormir e sonhar na tranquilidade e com um mundo justo e melhor.
No novo mapa de interesse mundial, o conflito entre os pobres deve ser rápido, ou melhor, as populações envolvidas em conflitos devem fazer tudo para que os mesmos sejam breves; aliás, devem fazer tudo para que não haja conflitos, e caso esta possibilidade falhe, devem esforçar-se para que estes conflitos sejam breves.
Em África, a Somália e a Uganda estão a pagar o preço do conflito dos pobres, o inferno dos esquecidos. O orgulho americano arrastou consigo as grandes potências para o esquecimento da Somália. Parece que mais vele lembrar-se do desaire de um país rico como é o Iraque de que lembrar-se do desaire das tropas americanas num país pobre, como é o caso da Somália, e sobretudo, um país pobre africano. A gestão das recentes piratarias contra as embarcações francesas e espanholas vêm testemunhar o medo que os países ocidentais têm da violência somaliana. A memória visual dos telespectadores ocidentais ainda guarda as imagens inumanas dos corpos dos militares americanos mortos arrastados publicamente pelos carros militares somalianos nas ruas de Mogadíscio e talvez seja esta ousadia que lhes valeu o preço do esquecimento.
PS: Publicado para FM

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A SORTE DOS FRACOS

O novo ano não podia ter começado de pior maneira para os países de África, e em particular, para os países que estão em conflito. Já pela contingência política e diplomática estes conflitos estavam esquecidos, agora com o recrudescer do conflito israelo-palestiniano, a guerra dos pobres corre o risco de nunca mais ser mencionada a não ser por uma complacência permissiva.
A preocupação mundial parece estar virada para o Médio Oriente. O peso político de Israel absorveu todas as atenções possíveis. O Ocidente está mais preocupado com este conflito porque sabe que a sua má gestão pode ter uma consequência directa para as suas portas. Isto é, pode ser um pretexto para que o terror volte a fazer ruir a frágil segurança das fronteiras europeias.
As guerras de África não têm um impacto negativo directo na segurança europeia e americana. Quanto muito pode influir na economia de Ocidente, mas não na sua segurança como é o caso dos conflitos do Médio Oriente. A República Democrática de Congo passou o fim de ano debaixo de massacre, mas o mundo pouco ou nada disse ou sabe. Este cenário corre o risco de perdurar se, se mantiver a crise israelo-palestiniano. Estamos quase a voltar a viver o drama de Ruanda, quando a informação de festival de CAN suplantou de modo cúmplice a informação sobre o massacre dos inocentes.
É a sorte dos fracos. E talvez, o destino daqueles que nunca querem aprender a fazer política.
PS: Públicado in FM.