quinta-feira, 19 de março de 2009

NICOLAS JOHN SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA AMERICANA DEPOIS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Neste pequeno ensaio, vamos tentar analisar porque é que a teoria de Nicholas John Spykman foi longamente retomada nos Estados Unidos a nível da política externa depois da segunda guerra mundial. - O que é que contribui para que a América saísse do seu isolacionismo. - Como é que a teoria realista conseguiu sobrepor-se à mensagem idealista fortemente veiculada durante a primeira guerra mundial. - Por fim, vamos tentar analisar como é que a ideia de Spikman gerou o novo maquiavelismo na América.
- Spykman escreve numa altura em que o mundo está envolvido em guerra e que curiosamente América parece estar fora desta guerra devido ao seu não envolvimento directo. A preocupação de Spykman é de saber até que ponto este distanciamento de América em relação às coisas, contribui para a sua própria segurança. Esta inquietude vai merecer uma atenção enorme depois da segunda grande guerra por parte dos principais analistas da política americana. A URSS que entre tanto passou de aliado para adversário político e ideológico contribui muito para que a teoria de Spykman fosse retomada com preocupação. O facto de os EUA e a URSS se encontrarem numa posição geograficamente antagónica, e sobretudo, o crescimento da URSS para quase todo o leste europeu, obrigou as várias administrações americanas a sair da sua inacção em relação à política externa. O fim da segunda grande guerra e o início da rivalidade entre a URSS e os EUA ajudou os americanos a começar à ter outra percepção do mundo através da teoria de Spykman. Segundo ela, “a verdadeira paz só poderia assentar na segurança colectiva, numa sociedade das nações que partilhassem os mesmos valores (individualismo, liberdade e democracia).”[1] A URSS não tinha nenhum destes valores que acabamos de citar, por isso, para a América ela não era só uma ameaça geográfica ou estratégica mas também ideológica. Ter uma URSS forte, significaria para a América, ter uma ideologia comunista cada vez mais crescente. Também o facto dos EUA não saber exactamente o que é que a URSS tinha em termos militares ajudou a actualizar a teoria de Spykman.
Spykman tinha dito, “quem controla o rimland controla a zona charneira do mundo…esta região vulnerável tanto pela terra como pelo mar.”[2] A aquisição da URSS das zonas costeiras da Europa constituiria por isso um perigo para a segurança americana. Ora esta ameaça não podia ser contida sem um envolvimento directo na política externa. A aquisição da URSS pelo “rimland” representava uma fonte enorme para a divulgação do ideal comunista. Esta perspectiva não agradava as administrações americanas que tinham como a principal preocupação nos finais da década de 40, estancar o avanço do comunismo.
Spykman avisou de que o poder é móvel. Ser forte hoje, não quer dizer que continuaremos a sê-lo para sempre. Afirmou que a única coisa certa na política dos Estados é a sua geografia, “a geografia é o factor mais fundamental da política externa dos Estados, porque é mais permanente”.[3] Esta afirmação veio a ser corroborada por Joseph S. Nye, Jr, quando diz,”Apolítica internacional não é como a ciência do laboratório. Não existem experiências controladas, porque é impossível manter os outros factores constantes enquanto tentamos analisar um que se altera”.[4] Por isso, a administração americana percebeu que para se manter forte tinha que trabalhar para continuar a sê-lo. Uma das formas que América descobriu para poder manter o seu poder, foi actuar directamente através da sua implicação na política externa. Esta actuação não foi inocente. Ela é feita através da leitura e da interpretação de Spykman. América deixou assim de se ver como uma ilha inatingível para se envolver no problema concreto do mundo onde ela é parte integrante. Este envolvimento viu-se na participação americana na reconstrução de Alemanha e do Japão e consequentemente nas suas integrações nas organizações e instituições internacionais. Esta integração permitiu não só com que estes países não fossem marginalizados politicamente, mas sobretudo para que eles pudessem ser mais bem controlados pela administração americana e os seus aliados.
- A América sai do seu isolacionismo indo ao encontro dos ensinamentos de Spykman. Na sua teoria da conquista do mundo, Spykman disse que “o domínio do mundo passa pelo domínio do Heartland, que por sua vez carece da conquista prévia do Rimland e que neste quadro, seria necessária a existência de uma política intervencionista permanente, numa solução híbrida entre o poder continental e o poder marítimo, havendo que seleccionar as regiões ou áreas onde intervir, sendo que estas fariam parte de Rimland”[5]. O medo de ver o rimland ser controlado pela URSS despertou um interesse americano para a política externa. Impedir o controlo de rimland era talvez a forma mais óbvia de impedir o avanço soviético na idealização do mundo. A perda da China enquanto antiga aliada essencial não deixou indiferente os responsáveis da política externa americana. Os americanos não ficaram contentes com o facto de a China de Mao Tsétung se ter tornado comunista. No entanto, a mudança da China para a ideologia comunista veio reforçar ainda mais a teoria de Spykman sobre o controlo de espaço, o desenvolvimento das técnicas. Os EUA sabem que a única forma para fazer face à ameaça da China e da URSS tem que passar pelo controlo das técnicas e de uma boa cooperação com os aliados ocidentais.
- A teoria de que América não é uma ilha fora do mundo foi retomada de uma forma crítica depois da segunda grande guerra. A frente dela estavam os grandes teóricos da teoria realistas. O próprio Presidente Hary Truman terá afirmado depois de 1945 que “América não pode ser livre se o mundo não for livre e que o mundo não livre poderá destruir América”.[6] É nesta linha que nos EUA vai nascer um novo maquiavelismo que é uma espécie de reviravolta do realismo sobre o idealismo. Por exemplo, segundo Philippe Braillard, Morgenthau “croit alors aussi en la possibilité de distinguer en politique entre la verité et l’opinion – entre ce que est vrai objectivement et racionellement, soutenu par l’evidence et éclairé par la raison, et ce que est seulement un jugement objectif, separe des faits tels qu’ils sont, et aninmé par un préjugé et une pensée mue par le désir”.[7] Morgenthau afirma ainda que “pour rendre le monde meilleur, on doit agir avec ses forces et non contre elle”[8]. Outros como Robert Kagan, afirma no artigo poder e fraqueza que alguns países particularmente, os países europeus, por não terem a força e instrumentos para defender o mundo adoptam sempre a política de contenção e de pacifismo, ao contrário América porque tem poder e tem meios adopta e deve adoptar a política de intervenção a fim de se proteger e proteger o mundo.
Este novo maquiavelismo que veio suplantar o idealismo nasce na afirmação de Spykman de que os americanos não se devem contentar de deixar a Europa, a Alemanha e o Japão depois da guerra. O novo maquiavelismo nasce também na afirmação intervencionista de Spykman segundo a qual se deve escolher as áreas ou regiões onde se deve intervir. O novo maquiavelismo não é portanto só uma defesa de América, mas a ideia de que um mundo seguro implicará também uma América segura, ou seja a materialização da ideia de Spykman de que América não é uma ilha, mas a parte de todo e que deve actua para a defesa e em defesa do todo.


BIBLIOGRAFIA
Phillippe Moreau Defarges, Introdução à Geopolítica; Gradiva 2003, Lisboa
Carlos Manuel Mendes Dias, Geopolítica: Teorização Clássica e Ensinamentos; Prefácio, 2005, Lisboa
Joseph S. Nye, Jr., Compreender os Conflitos internacionais, uma introdução à teoria e à história; Gradiva, 2002, Lisboa
Phillippe Brailland, Théorie des Relations Internationales; Presse Universitaires de France, 1977, France

[1] Phillippe Moreau Defages, Introdução à Geopolítica, Gradiva 2003, pag,58, Lisboa
[2] Phillippe Moreau Defarges, Introdução à Geopolítica, Gradiva 2003, pg 58, Lisboa
[3] Carlos Manuel Mendes Dias, Geopolítica: teorização clássica e ensinamentos; Prefácio 2005, pg 187, Lisboa
[4] Joseph S. Nye, Jr, Compreender os Conflitos Internacionais; uma introdução à teoria da história, Gradiva 2002, pg 61, Lisboa
[5] Carlos Manuel Mendes Dias, Geopolítica: teorização clássica e ensinamentos; Gradiva, pg 196, Lisboa
[6] Não temos documentos escritos de onde vem esta afirmação, recolhe-mo-la numa aula do seminário. História da sociedade aberta, 15 de Outubro de 2005 com o professor Rui Ramos
[7] Phillippe Braillard, Thórie des Relations Internationnales; Presse Universitaires de France, 1977, pg 84, França
[8] Idem, pg 83

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom este ensaio. Esta mudança de paradigma é ainda mais interessante quando não é esquecido que no pós primeira guerra mundial a política externa norte americana baseou-se no idealismo wilsonaino. Foi uma mudança brusca