Em 2005, após a conclusão da minha licenciatura em Sociologia – Organizações e Planeamento, na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, farto da vida em Portugal, vim para a minha terra natal aproveitar as oportunidades profissionais que Angola oferece aos seus filhos.
Como tendência natural e resultado do alto nível de centralização administrativa e política e de oferta de trabalho, fixei-me na terra da Kianda – Luanda.
Comecei a procurar trabalho, distribuindo curriculum para quase todas as empresas cuja orientação politica me parecia encaixar com a minha formação… desde empresas petrolíferas (BP, CHEVRON, etc.), organismos estatais, etc. Em Portugal, os nossos governantes nos diziam que o país precisa muito dos seus quadros que estão no estrangeiro. Por isso pensei, tanto eu como muitos, pensamos que era fácil arranjar um emprego cá, mas, enganei-me!
Entretanto, lá consegui um trabalho, numa empresa de selecção e recrutamento de pessoal, a EMOSIST, uma empresa muito dinâmica. Na altura, o trabalho consistia em seleccionar os candidatos à bolsa de estudos ao estrangeiro através da empresa SONANGOL. Ofereceram-me um salário razoável, cerca de 2000usd. Mas, tive que desistir de trabalhar nessa empresa porque por um lado, os 2000usd não iriam cobrir as necessidades básicas da vida em Angola: i.é, renda de casa (imaginem ter de 1000usd de renda, não mensal, mas anual), e transporte pessoal. Naquela altura, residia em casa de um amigo no “projecto nova vida”, ir de candogueiro (às 4h30 da manha de nova vida até o Mira Mar é uma experiência desaconselhável), por outro lado, o quotidiano de Luanda pareceu-me monstruoso demais.
Decidi tentar a sorte na minha cidade natal, Benguela.
Em 2005, o único trabalho que podia encontrar era de professor, o que de facto despertou positivamente o meu interesse, sendo que sempre quis dar aulas. Julgo mesmo que as pessoas que tiveram a oportunidade de ter acesso ao conhecimento, têm o dever moral de partilhá-lo com vista a garantir o maior bem público. Assim, comecei a distribuir o meu curriculum nas universidades que então existiam; a Lusíada, Piaget e a Universidade Pública.
A primeira entrevista foi-me concedida pela Universidade Pública. A pessoal com quem falei, disse-me que a universidade atravessava uma carência profunda de professores (na altura possivelmente só existiam duas pessoas formadas em Sociologia na província), por isso a minha vinda era uma espécie de providência necessária. Aconselhou-me a cumprir com os requisitos institucionais para o ensino nacional, questões de equivalência e reconhecimentos dos certificados académicos. Em princípio achei ser uma piada, mas depois percebi que o Sr. Dr, estava a falar a sério. Não percebi, por que carga de água é que uma instituição de ensino, que parece não ser reconhecida pela UNESCO teria de reconhecer os meus estudos. Não achei graça, e rapidamente desisti da ideia de aulas nessa Universidade.
Em seguida, procurei contactar a Piaget. Quando lá fui, estava um calor de rachar, por isso, resisti ao fato e a gravata e fui vestido adequado ao clima de momento. Facto que se revelou num grande erro. Lá estava eu, 24 anos de idade, com uma calça de ganga e uma t-shirt, a perguntar dos requisitos necessários para apresentar a minha candidatura ao corpo docente da instituição. Fui naturalmente ignorado, pelas lindas funcionárias da recepção. Teimosamente, lá voltei dois dias depois, e recusei-me a sair de sem antes falar com a Directora. Finalmente fui recebido por ela. Uma senhora portuguesa, muito simpática, também ela formada na Universidade Católica, mas em VISEU. A conversa correu bem. Meses depois, estava eu a dar aulas na universidade.
O processo de entrada na Lusiada foi mais complicado, tive mesmo que recorrer aos meus amigos de Luanda, para dar a volta aos obstáculos do mosaico da cozinha.
Abril/Maio de 2005 iniciei a minha actividade docente.
Dar aulas revelou-se uma experiência aterrorizadora. Um mês depois de aulas, apliquei um mini teste nas duas universidades. Um autêntico desastre. A nota máxima, de 0 a 20, foi de 5 valores. O cenário era inacreditável. O que a maioria de alunos escrevia nem dava para perceber, uma caligrafia horrível, erros ortográficos inaceitaveis, e é melhor nem falar na gramática. Fiquei absolutamente preocupado.
A conversar com eles acerca dos resultados, percebi que a maioria deles nunca tinha lido um livro na vida (pessoas com idade compreendida entre 18 e os 60 anos), e alguns nem se quer um jornal. Parte deles fizeram o ensino secundário no período nocturno, com a falha gritante de energia. Enquanto, os adultos, a maioria trabalhava, estava essencialmente de olhos no canudo, para garantir o status (que o “Sr. Dr.” oferece) e a reforma. Os mais novos nem tinham noção da natureza dos cursos em que estavam inscritos.
A Direcção de uma das universidades, solicitou uma reunião para a análise dos resultados. No essencial, a Direcção informou-me que eles precisam dos seus clientes e que acreditam que eu preciso do meu emprego, i.é, partilhamos interesses comuns. Com argumentos do tipo, o Sr. professor tem que se adaptar ao contexto, e que aqui não é Europa, etc. Eu disse-lhe apenas que não estava a trabalhar numa contextualidade, mas numa universidade e que não percebia como é que a Biblioteca da universidade tinha menos livros que os livros que comprei durante a minha licenciatura, e que a mesma nem tinha uma sala de internet. Percebi duas coisas: que eles estavam em Vennus e eu em Marte, e que eu constituía um obstáculo aos interesses da maioria dos alunos e dos meus patrões. Os alunos chegaram mesmo a rebentar com uma navalha, os quatro pneus do meu carro.
Com o tempo fui-me desiludindo, e assistindo os meus colegas que pautavam a actividade docente com seriedade e rigor abandonarem a actividade. Como não estava a fim de alinhar na mediocridade (exceptuando algumas pessoas realmente sérias e alunos muito aplicados), também abandonei o sonho de dar aulas.
Foi uma decisão muito dolorosa, por acreditar que a nossa terra já mais alcançará o desenvolvimento desejado (que por cá muitas vezes se confundi com o crescimento económico), enquanto não apostar na formação, não apenas quantitativa, mas qualitativa do seu capital humano.
Para quem acredita em Deus, resta rezar muito, para quem não acredita, talvez acreditar no desígnio da natureza……
Como tendência natural e resultado do alto nível de centralização administrativa e política e de oferta de trabalho, fixei-me na terra da Kianda – Luanda.
Comecei a procurar trabalho, distribuindo curriculum para quase todas as empresas cuja orientação politica me parecia encaixar com a minha formação… desde empresas petrolíferas (BP, CHEVRON, etc.), organismos estatais, etc. Em Portugal, os nossos governantes nos diziam que o país precisa muito dos seus quadros que estão no estrangeiro. Por isso pensei, tanto eu como muitos, pensamos que era fácil arranjar um emprego cá, mas, enganei-me!
Entretanto, lá consegui um trabalho, numa empresa de selecção e recrutamento de pessoal, a EMOSIST, uma empresa muito dinâmica. Na altura, o trabalho consistia em seleccionar os candidatos à bolsa de estudos ao estrangeiro através da empresa SONANGOL. Ofereceram-me um salário razoável, cerca de 2000usd. Mas, tive que desistir de trabalhar nessa empresa porque por um lado, os 2000usd não iriam cobrir as necessidades básicas da vida em Angola: i.é, renda de casa (imaginem ter de 1000usd de renda, não mensal, mas anual), e transporte pessoal. Naquela altura, residia em casa de um amigo no “projecto nova vida”, ir de candogueiro (às 4h30 da manha de nova vida até o Mira Mar é uma experiência desaconselhável), por outro lado, o quotidiano de Luanda pareceu-me monstruoso demais.
Decidi tentar a sorte na minha cidade natal, Benguela.
Em 2005, o único trabalho que podia encontrar era de professor, o que de facto despertou positivamente o meu interesse, sendo que sempre quis dar aulas. Julgo mesmo que as pessoas que tiveram a oportunidade de ter acesso ao conhecimento, têm o dever moral de partilhá-lo com vista a garantir o maior bem público. Assim, comecei a distribuir o meu curriculum nas universidades que então existiam; a Lusíada, Piaget e a Universidade Pública.
A primeira entrevista foi-me concedida pela Universidade Pública. A pessoal com quem falei, disse-me que a universidade atravessava uma carência profunda de professores (na altura possivelmente só existiam duas pessoas formadas em Sociologia na província), por isso a minha vinda era uma espécie de providência necessária. Aconselhou-me a cumprir com os requisitos institucionais para o ensino nacional, questões de equivalência e reconhecimentos dos certificados académicos. Em princípio achei ser uma piada, mas depois percebi que o Sr. Dr, estava a falar a sério. Não percebi, por que carga de água é que uma instituição de ensino, que parece não ser reconhecida pela UNESCO teria de reconhecer os meus estudos. Não achei graça, e rapidamente desisti da ideia de aulas nessa Universidade.
Em seguida, procurei contactar a Piaget. Quando lá fui, estava um calor de rachar, por isso, resisti ao fato e a gravata e fui vestido adequado ao clima de momento. Facto que se revelou num grande erro. Lá estava eu, 24 anos de idade, com uma calça de ganga e uma t-shirt, a perguntar dos requisitos necessários para apresentar a minha candidatura ao corpo docente da instituição. Fui naturalmente ignorado, pelas lindas funcionárias da recepção. Teimosamente, lá voltei dois dias depois, e recusei-me a sair de sem antes falar com a Directora. Finalmente fui recebido por ela. Uma senhora portuguesa, muito simpática, também ela formada na Universidade Católica, mas em VISEU. A conversa correu bem. Meses depois, estava eu a dar aulas na universidade.
O processo de entrada na Lusiada foi mais complicado, tive mesmo que recorrer aos meus amigos de Luanda, para dar a volta aos obstáculos do mosaico da cozinha.
Abril/Maio de 2005 iniciei a minha actividade docente.
Dar aulas revelou-se uma experiência aterrorizadora. Um mês depois de aulas, apliquei um mini teste nas duas universidades. Um autêntico desastre. A nota máxima, de 0 a 20, foi de 5 valores. O cenário era inacreditável. O que a maioria de alunos escrevia nem dava para perceber, uma caligrafia horrível, erros ortográficos inaceitaveis, e é melhor nem falar na gramática. Fiquei absolutamente preocupado.
A conversar com eles acerca dos resultados, percebi que a maioria deles nunca tinha lido um livro na vida (pessoas com idade compreendida entre 18 e os 60 anos), e alguns nem se quer um jornal. Parte deles fizeram o ensino secundário no período nocturno, com a falha gritante de energia. Enquanto, os adultos, a maioria trabalhava, estava essencialmente de olhos no canudo, para garantir o status (que o “Sr. Dr.” oferece) e a reforma. Os mais novos nem tinham noção da natureza dos cursos em que estavam inscritos.
A Direcção de uma das universidades, solicitou uma reunião para a análise dos resultados. No essencial, a Direcção informou-me que eles precisam dos seus clientes e que acreditam que eu preciso do meu emprego, i.é, partilhamos interesses comuns. Com argumentos do tipo, o Sr. professor tem que se adaptar ao contexto, e que aqui não é Europa, etc. Eu disse-lhe apenas que não estava a trabalhar numa contextualidade, mas numa universidade e que não percebia como é que a Biblioteca da universidade tinha menos livros que os livros que comprei durante a minha licenciatura, e que a mesma nem tinha uma sala de internet. Percebi duas coisas: que eles estavam em Vennus e eu em Marte, e que eu constituía um obstáculo aos interesses da maioria dos alunos e dos meus patrões. Os alunos chegaram mesmo a rebentar com uma navalha, os quatro pneus do meu carro.
Com o tempo fui-me desiludindo, e assistindo os meus colegas que pautavam a actividade docente com seriedade e rigor abandonarem a actividade. Como não estava a fim de alinhar na mediocridade (exceptuando algumas pessoas realmente sérias e alunos muito aplicados), também abandonei o sonho de dar aulas.
Foi uma decisão muito dolorosa, por acreditar que a nossa terra já mais alcançará o desenvolvimento desejado (que por cá muitas vezes se confundi com o crescimento económico), enquanto não apostar na formação, não apenas quantitativa, mas qualitativa do seu capital humano.
Para quem acredita em Deus, resta rezar muito, para quem não acredita, talvez acreditar no desígnio da natureza……
PS: Por David Bóio, Sociólogo.
1 comentário:
Meu caro amigo,
Só tenho que agradecer a partilha dos teus duros dias de luta contigo mesmo. Experimentaste a Kafka, "a esperança é abundante mas não é para todos".
Valentim
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